Mumificação na Europa pode ser mais antiga do que se pensava

Letícia Silva Jordão
Imagem: José Paulo Ruas

A mumificação na Europa sempre foi um assunto desafiador para os cientistas, devido a falta de relatórios escritos sobre esse período e a dificuldade que existe em detectar se um corpo foi preservado por meio da mumificação quando seu tecido mole não é mais visível.

Porém, foi realizado um novo estudo que revela que a prática da mumificação na Europa poderia ter sido mais antiga do que se pensava, já que os pesquisadores encontraram novas evidências de que o tratamento de pré-enterro, como a dessecação por mumificação, tenham ocorrido em locais como o Vale do Sado há 8.000 anos.

Até agora, os casos mais antigos de mumificação proposital conhecidos eram dos caçadores-coletores Chinchorro, que ficavam localizados na região costeira do deserto de Atacama, no norte do Chile, há cerca de 7.000 anos. Entretanto, a maioria das múmias sobreviventes no mundo são recentes, datando de 100 até 4.000 anos atrás.

O estudo utilizou a abordagem da arqueotanatologia

Recentemente, foram descobertas fotografias dos restos mortais de treze indivíduos escavados na década de 1960 nos sambaquis mesolíticos do Vale do Sado, em Portugal. Esse material permitiu que os arqueólogos de hoje reconstruíssem as posições em que os corpos foram enterrados, possibilitando que eles aprendessem mais sobre os rituais mortuários ocorridos há 8.000 anos.

Com as fotografias, os estudiosos conseguiram utilizar a abordagem da arqueotanatologia, que é um método utilizado para documentar e analisar restos humanos, onde é combinado as observações da distribuição espacial dos ossos com o conhecimento sobre como ocorre a decomposição do corpo humano após a morte.

Dessa forma, os arqueólogos puderam reconstruir a maneira que os cadáveres foram tratados após a morte e enterrados, mesmo com milênios de distância os separando. Como resultado, os cientistas encontraram uma assinatura observável para uma múmia que poderia ser uma proposta que combina várias observações: uma hiperflexão dos membros, ausência de desarticulação em partes significativas do esqueleto e um rápido preenchimento de sedimentos ao redor dos ossos.

Desarticulação dos ossos

As assinaturas encontradas estavam claramente presentes em pelo menos um dos sepultamentos do estudo. A análise mostrou que alguns corpos foram enterrados em posições extremamente curvadas, com as pernas flexionadas na altura dos joelhos e colocadas na frente do peito.

Geralmente, a decomposição dos corpos resulta na desarticulação dos ossos e articulações fracas, mas neste estudo as articulações foram mantidas. Os cientistas acreditam que esse padrão de hiperflexão pode ocorrer no caso do corpo não ser colocado na sepultura como um cadáver fresco, mas sim em um estado dessecado, como um cadáver mumificado.

A dessecação poderia manter algumas dessas articulações fracas, mas também permitiria a forte flexão do corpo, já que a amplitude do movimento aumenta quando o volume de tecido mole é menor. Como antes do enterro todos os corpos foram dessecados, existe pouco ou nenhum sedimento presente entre os ossos e as articulações, que são mantidas pelo preenchimento contínuo do solo circundante que sustenta os ossos e evita o colapso das articulações.

Mumificação na Europa e práticas mortuárias

Os cientistas sugerem que os padrões observados podem ser originados de um processo de mumificação natural guiado, onde a manipulação do corpo durante a mumificação teria acontecido por um longo período de tempo, onde o corpo se tornaria dessecado gradualmente para manter sua integridade corporal enquanto estivesse contraído por amarração, com cordas ou bandagens, para comprimi-lo na posição desejada.

Quando este processo estivesse concluído, o corpo teria sido mais fácil de transportar, já que ele seria mais contraído ficando assim mais leve que o cadáver fresco, o que garantiria que ele fosse enterrado mantendo sua aparência e integridade física.

Após esse estudo, se a mumificação na Europa é mais antiga do que o sugerido, surge uma série de insights relacionados às práticas mortuárias das comunidades mesolíticas, o que inclui uma preocupação central em manter a integridade do corpo e sua transformação física de um cadáver para uma múmia curada.

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