Mais de 80% dos remanescentes de Mata Atlântica já foram afetados por humanos

Agência FAPESP
Mata Atlântica. (Dmitry V. Petrenko / Shutterstock)

Estudo brasileiro publicado na revista Nature Communications revela que a ação humana já causou – direta ou indiretamente – perda de biodiversidade e de biomassa em mais de 80% dos fragmentos florestais remanescentes da Mata Atlântica.

Segundo os autores, em termos de estoque de carbono, o prejuízo equivale ao desmatamento de até 70 mil quilômetros quadrados (km2) de florestas – quase 10 milhões de campos de futebol – e representa algo entre US$ 2,3 e 2,6 bilhões em créditos de carbono. “Esses números têm implicações diretas nos mecanismos de mitigação das mudanças climáticas”, afirmam os cientistas no artigo.

Distribuída ao longo de toda a costa, a Mata Atlântica chegou a cobrir 15% do território brasileiro (1.315.460 km² de extensão). Hoje restam cerca de 20% da área original, distribuída em fragmentos de diferentes tamanhos e características.

Para estimar o impacto humano sobre esses remanescentes, os pesquisadores se basearam em dados de 1.819 inventários florestais realizados por diversos grupos de pesquisa.

“Esses inventários são uma espécie de censo arbóreo. Os pesquisadores vão a campo e estabelecem uma determinada área a ser estudada, geralmente de 100 por 100 metros. Dentro desse perímetro, todas as árvores são identificadas, analisadas e medidas”, explica Renato de Lima, pesquisador do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (IB-USP) e líder do estudo. “Fizemos um grande compilado de dados disponíveis na literatura científica e, em seguida, calculamos a perda média de biodiversidade e de biomassa nesses fragmentos estudados, que representam 1% do bioma. Em seguida, por meio de métodos estatísticos, extrapolamos os valores para os outros fragmentos não estudados, assumindo que os impactos seriam constantes em toda a Mata Atlântica”, conta.

Depois de identificar as espécies arbóreas em um fragmento, os pesquisadores avaliam o tamanho das sementes por elas produzidas e também o que se chama de “grupo de sucessão ecológica”. Esses dois fatores, segundo Lima, podem indicar o quão saudável está uma floresta.

“Há plantas pouco exigentes em relação às características do local em que vão se estabelecer. Podem crescer em terrenos baldios, no pasto ou nas bordas das florestas. Essas espécies pouco exigentes, como a embaúba [Cecropia pachystachya], são conhecidas como pioneiras”, conta o pesquisador.

De modo geral, as árvores pioneiras tendem a produzir muitas sementes, mas de tamanho reduzido. Como a chance de uma delas vingar é pequena, a estratégia da planta é ganhar na quantidade.

No outro extremo estão as chamadas espécies clímax, como o pau-brasil (Paubrasilia echinata) ou a canela (várias espécies do gênero Ocotea), que crescem somente em ambientes favoráveis. São árvores que produzem sementes maiores, com farta reserva nutricional. “Esse tipo de semente requer um maior investimento energético da árvore-mãe. As áreas em que essas espécies estão presentes, em geral, suportam uma fauna mais diversificada. É, portanto, um indicativo da qualidade da floresta como um todo. Já as áreas em que predominam espécies pioneiras, muito provavelmente, foram perturbadas há pouco tempo”, explica Lima.

O grupo do IB-USP buscou mostrar como a perda de espécies de final de sucessão ecológica se relaciona com a perda de biodiversidade de modo geral e também com a perda de biomassa – ou seja, com a redução na capacidade da floresta de estocar carbono, mantendo esse gás de efeito estufa fora da atmosfera. Em média, os fragmentos florestais estudados têm entre 25% e 32% menos biomassa, 23% e 31% menos espécies arbóreas e 33% e 42% menos indivíduos de espécies de sucessão tardia, de sementes grandes e endêmicas (que ocorrem somente naquela área).

A análise mostrou ainda que a erosão da biodiversidade e da biomassa é menor dentro das unidades de conservação de proteção integral, principalmente nas de grande extensão. “Quanto menor o fragmento de floresta e maior a área de borda, mais fácil é para a pessoas acessarem esses remanescentes e causarem impacto”, diz Lima.

A boa notícia, na avaliação do pesquisador, é que as áreas florestais degradadas podem recuperar sua capacidade de estocar carbono se restauradas.

“Há um foco grande no combate ao desmatamento e na restauração de áreas abertas totalmente degradadas, como o pasto. Essas duas estratégias são importantíssimas, mas não podemos esquecer os fragmentos que estão no meio do caminho”, defende Lima.

Segundo Paulo Inácio Prado, professor do IB-USP e coautor do estudo, essas ilhas de floresta que sobraram, se restauradas, podem atrair bilhões de dólares em investimentos relacionados a créditos de carbono. “Florestas degradadas podem ser vistas não como um ônus, mas como uma oportunidade para atrair investimentos, gerar empregos e, ao mesmo tempo, conservar o que ainda resta da Mata Atlântica”, afirma.

Lima acredita que essa pode ser uma estratégia atraente para os proprietários de terra em áreas protegidas do bioma. “Não há necessidade de reduzir a área agrícola, basta incorporar biomassa nos fragmentos florestais. Depois, reaver parte do custo da restauração na forma de créditos de carbono. Não tem como falar no futuro da Mata Atlântica sem considerar os proprietários privados de terra, pois apenas 9% dos remanescentes florestais estão em áreas públicas.”

Banco de dados

De acordo com Lima, o estudo teve início ainda durante seu pós-doutorado, realizado com apoio da FAPESP sob a supervisão de Prado. O objetivo era desvendar quais fatores são mais determinantes para a perda de biodiversidade e de biomassa nos remanescentes de Mata Atlântica.

“Observamos que a ação humana tinha um grande peso. Consideramos atividades como corte de madeira, caça e invasão por espécies exóticas, além dos efeitos indiretos da fragmentação florestal”, diz o pesquisador.

Os dados obtidos nos 1.819 inventários florestais usados na pesquisa estão armazenados em um repositório chamado TreeCo (sigla em inglês para banco de dados de comunidades de árvores neotropicais), desenvolvido durante o pós-doutorado de Lima e ainda hoje administrado pelo pesquisador. O conteúdo da base de dados foi descrito em artigo publicado na revista Biodiversity and Conservation. O banco está aberto a outros grupos de pesquisa interessados no compartilhamento de informações relacionadas a florestas neotropicais.

“Esse repositório virou um subproduto do meu projeto de pós-doutorado e hoje mais de dez doutorandos e mestrando estão fazendo uso das informações em seus projetos”, conta Lima.

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