Sistema imunológico de paciente pode ter cura espontânea do HIV

Amanda dos Santos
Controladores de elite podem manter o HIV sob controle.

Teoricamente, o sistema imunológico pode, em casos muito raros, ser capaz de eliminar sozinho o vírus HIV. Na prática, isso nunca foi documentado. Mas agora, médicos relatam que uma pessoa pode ter se curado do HIV funcionalmente, sem nenhuma ajuda externa.

Caso seja confirmado, este seria o primeiro caso conhecido de cura espontânea.

Caminho para a cura do HIV

Dois pacientes infectados com o HIV tiveram os níveis do vírus em seus corpos caindo para níveis indetectáveis após transplantes de medula óssea. Ou seja, esses pacientes foram curados.

Só que agora, pesquisadores relataram em um estudo publicado ontem na Nature, o que parece ser a cura espontânea do HIV.

A análise de cerca de 1,5 bilhão de células retiradas de um paciente denominado como EC2 não mostrou nenhuma cópia funcional do HIV em nenhuma delas. Esse paciente ainda tinha algumas cópias não funcionais do vírus.

Embora ainda não se tenha a certeza de que esse vírus pernicioso e persistente esteja intacto e escondido em alguma célula no corpo desse paciente, a descoberta sugere que o sistema imunológico de algumas pessoas pode vencer a luta e eliminar o vírus.

Algumas pessoas podem anular o vírus

Um segundo paciente, apelidado de EC1, tinha apenas uma cópia funcional do HIV em mais de 1 bilhão de células sanguíneas analisadas. Essa cópia estava presa no que é essencialmente uma prisão genética. Ou seja, esse bloqueio genético pode ser a chave para o controle natural do vírus.

O estudo com essas duas pessoas mostra que elas fazem parte de um grupo raro conhecidas como controladores de elite. Significa que esse grupo raro é capaz de manter níveis de HIV muito baixos ou indetectáveis sem tomar medicamentos antirretrovirais. Essas pessoas não apresentam sintomas ou sinais claros de danos causados pelo vírus.

Satya Dandekar, pesquisadora de HIV da Universidade da Califórnia, que não esteve envolvida no estudo, mencionou que os sintomas de HIV são inexistentes para os controladores de elite por um extremo longo prazo.

Em contraste, para 99,5% ou mais dos 35 milhões de pessoas infectadas com o vírus no mundo, os medicamentos são a única maneira de manter o vírus inativo.

Consequentemente, os pesquisadores querem saber como os controladores de elite anulam o vírus por longos períodos.

“O difícil de identificar”, diz Dandekar, “são os golpes iniciais que o sistema imunológico dá ao vírus.”

Quando alguém reconhece um controlador de elite, a luta já está ganha e os pesquisadores precisariam ter acesso aos primeiros golpes entre o HIV e o sistema imunológico.

Como o vírus ataca o sistema imunológico?

Hiv
HIV infectando uma célula humana.
Essa célula T humana (azul) está sendo atacada pelo HIV (amarelo), o vírus que causa a AIDS. O vírus tem como alvo específico as células T, que desempenham um papel crítico na resposta imunológica do corpo contra invasores como bactérias e vírus. (Crédito: Seth Pincus, Elizabeth Fischer e Austin Athman, Instituto Nacional de Alergia e Doenças Infecciosas / NIH, Domínio Público)

Cerca de um quarto dos controladores de elite têm variantes genéticas em genes importantes do sistema imunológico que ajudam a controlar o vírus, segundo Joseph Wong, virologista da Universidade da Califórnia.

“Mas esse fato explica apenas o que está acontecendo com uma minoria de controladores de elite, e não é algo facilmente transferível para outros”, diz ele.

Dandekar aponta a possibilidade dos controladores de elite terem sido infectados com versões “covardes” do HIV. Assim, os pesquisadores examinaram os vírus HIV embutidos no DNA de 64 controladores de elite e 41 pessoas infectadas pelo HIV que tomavam medicamentos antirretrovirais. Os controladores de elite mantiveram níveis indetectáveis de vírus sem o uso de drogas. No caso do paciente EC2, por 24 anos. A média é de nove anos.

O que é HIV para controladores de elite?

O HIV é um retrovírus, o que significa que ele armazena sua informação genética como RNA. Logo, uma enzima chamada transcriptase reversa copia essas instruções do RNA no DNA, que então pode se inserir no DNA do hospedeiro.

Só que a transcriptase reversa está sujeita a erros, geralmente resultando em cópias defeituosas ou incompletas do vírus.

Então, a princípio, os pesquisadores acharam que os controladores de elite carregavam essas versões não funcionais, que não podem produzir vírus infecciosos, diz Xu Yu, imunologista do Instituto Ragon de MGH, MIT e Harvard em Boston.

Mas, para surpresa geral, não é o caso. Em vez disso, a maioria dos controladores de elite no estudo tem mais vírus intactos do que o esperado. Então, Yu e seus colegas examinaram onde o vírus estaria no DNA desses pacientes.

Na maioria das pessoas infectadas com HIV, o vírus é levado aos genes graças a algumas proteínas humanas que o conduzem, diz Monica Roth, virologista da Escola de Medicina Robert Wood Johnson da Universidade Rutgers em Piscataway, New Jersey.

Mas nos controladores de elite, o vírus fica preso em partes pobres do genoma. Quando ele pousa nesses genes, ele se envolve no equivalente molecular do arame farpado, então impedindo a ativação dos genes. Coletivamente, essas partes inativas e rigidamente protegidas do genoma são conhecidas como heterocromatina.

Colocar o HIV em heterocromatina “é como colocá-lo no porta-malas e, em seguida, trancá-lo”, Monica, que não esteve envolvido no estudo.

Mas em laboratório, as proteínas-guia nas células ainda direcionam as inserções do HIV próximos aos genes, assim como acontece nas células de outras pessoas.

Concluiu-se então, de acordo com os pesquisadores, que os sistemas imunológicos dos controladores de elite eliminaram as células produtoras de vírus funcionais, deixando para trás apenas cópias quebradas do vírus e versões intactas bloqueadas em heterocromatina. Embora não se saiba como o sistema imunológico gerencia esse feito, os pesquisadores estão eliminando algumas possibilidades e tentando resolver o mistério de como os controladores de elite alcançam o seu status.

O estudo foi publicado na revista Nature. Informações da Science News.

 

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