Genética forense: como amostras biológicas podem ser utilizadas na solução de crimes

Lisiane Pohlmann

A ciência forense como um todo teve seu clímax na década de 80, quando a análise direta do DNA – através de técnicas de identificação – passaram a ser consideradas fundamentais no auxílio da solução de crimes. De lá pra cá, muitos vestígios biológicos entraram na lista de identificadores: o que antes era coletado somente em sangue, hoje pode ser visto em diversas amostras: unhas, saliva, urina, dentes, sêmen, cabelo, ossos, etc. É a análise cuidadosa desses materiais, respeitando o que chamamos de “cadeia de custódia”, que auxilia a identificar criminosos e vítimas e desvendar um pouco melhor os fatos, já que o DNA tem uma alta estabilidade química mesmo após extensos períodos.

O ramo da genética que trabalha com estes fatores é a genética forense, que se utiliza de tecnologias de análise e sequenciamento.

 

  1. COMO TUDO COMEÇOU

Na Inglaterra, em 1988, o estupro e homicídio de duas jovens (Lynda Mann e Dawn Ashcroft) foram os primeiros casos criminais solucionados com a ajuda de exames de DNA. Foram coletadas amostras de sêmen (deixadas no corpo de cada vítima) e, acredite, isso impediu que o indivíduo errado fosse penalizado: Richard Buckland, que confessou os dois crimes, mas não era o autor.

Acontece que um médico geneticista chamado Alex Jeffreys vivia na mesma comunidade onde os crimes foram praticados. Anos antes, em 1985, Jeffreys publicou um artigo na revista Nature, comentando métodos que permitiam identificar uma pessoa de forma totalmente eficaz. A polícia, por sua vez, resolveu propor a Alec a realização de testes de DNA a partir do sêmen encontrado nas vítimas e comparar seus resultados ao DNA do próprio Buckland. Os testes foram feitos, o sêmen em ambas as vítimas pertenciam ao mesmo homem, entretanto não eram de Richard Buckland.

A tarefa envolveu a análise de 3.600 amostras, pertencentes a homens diferentes que residiam no condado. Nenhuma delas era compatível e o caso foi desacreditado e consequentemente arquivado. A resolução foi feita de forma imprevista: em 1988, a polícia recebeu uma ligação anônima afirmando que um funcionário de uma padaria (Ian Kelly) havia doado sangue no lugar de um colega (Colin Pickford). Indo atrás de Colin e extraindo uma amostra de seu sangue, a polícia e Alex puderam confirmar Colin como estuprador das duas adolescentes, tornando-o o primeiro sujeito a ser condenado graças a um exame de DNA.

 

  1. COMO A CIÊNCIA PODE SER UTILIZADA A FAVOR DA JUSTIÇA

Por muitos anos na história, a justiça era feita através de provas materiais “óbvias” (flagrantes) ou testemunhas. Em casos cuja autoria era duvidosa, ou mesmo em que o crime não tivesse uma materialidade espontânea e imediatamente visível, as possibilidades de corrupção eram inúmeras diante de um júri que nem sempre era justo ou imparcial. Se hoje ainda descobrimos casos onde inocentes foram acusados e presos como culpados, não podemos contabilizar as vezes com que esse erro se reproduziu nos séculos passados.

Uma das primeiras situações onde o método científico ajudou a resolver um crime ocorreu na China, em 1247. Um advogado da época, chamado Sung T’su (não confunda com Sun Tzu) solucionou um assassinato cometido com uma foice de colheita de arroz, ferramenta de uso comum na época. T’su dispôs publicamente todas as foices de todos os trabalhadores do arrozal ao ar livre e observou então se alguma delas atraía moscas (que poderiam estar atrás de restos mortais). O dono da ferramenta foi condenado e nasceu ali a entomologia forense (estudo de insetos).

A denominação “forense” é dada aos campos da ciência que se dedicam à resolução de crimes e assuntos legais. Temos, além da genética forense, a entomologia forense (já citada), a balística forense, a toxicologia forense, a medicina forense, a psicologia forense, entre outras. Cada área utiliza seus conhecimentos de forma a desvendar a materialidade do feito. Dito isso, cabe destacar que a genética forense pode ser aplicada não apenas nos seres humanos, mas na identificação ou individualização de animais em geral, plantas e microrganismos.

  1. AMOSTRAS

Assistiu séries de CSI e pensa que é facinho assim? Não é tão simples. O DNA é delicado e quando não armazenado em condições adequadas, vai se degradar até não haver mais material genético suficiente para uma análise profícua. Cabe salientar também que as amostras forenses normalmente não são coletadas ou encontradas em condições ideais, por isso são facilmente expostas à contaminação, fator que desampara ainda mais a análise. Isso se dá não apenas pelo isolamento necessário do material genético, mas também porque pode haver material dos indivíduos que manusearam a amostra. Veremos alguns tipos:

Sangue

O sangue é um dos vestígios biológicos mais comumente encontrados, especialmente em locais de crime. Estas amostras podem não apenas identificar os presentes na cena, como também mostrar se estavam sob efeito de álcool, drogas, envenenamento ou entorpecimento.

Existe também a hematologia forense reconstrutora, que se dedica a realizar a análise das manchas de sangue no local do crime para reconstruir as ações do executor e da vítima.

Preservativos

Costumam ser boa fonte de material genético, pois no caso de terem sido usados para relações sexuais, conterão fluídos biológicos de ambos os envolvidos no ato (sêmen, secreção vaginal ou mesmo sangue). A taxa de sucesso chega a 81%*.

Preservativos podem ser usados como amostras genéticas forenses em casos de suspeita de violência sexual.

Saliva

É uma das amostras com menor risco de contaminação, além de poder ser coletada de maneira muito simples e não exigir grandes especificidades de armazenamento.

Roupas íntimas

As amostras só poderão ser utilizadas se houver presença de fluído corporal na peça. Roupas íntimas também podem ser usadas como amostras genéticas forenses em casos de suspeita de violência sexual.

Unhas

São mais úteis que os cabelos para extração de material genético, já que preservam uma quantidade maior de DNA mesmo quando cortadas (se comparadas aos fios de cabelo) Têm uma taxa de sucesso de aproximadamente 90%.

Cabelos

Apesar da popularidade, fios de cabelo precisam estar com a raiz para que haja material genético para análise, ou seja, precisam ter sido arrancados do couro cabeludo. Apesar da facilidade de coleta, a taxa de sucesso é de 75%.

Restos mortais

Embora não seja uma empreitada fácil, ainda pode ser extraído material genético após anos da autópsia realizada. As amostras podem ser utilizas em último caso, já que o processo é de alto custo e exige preparação e manuseio cuidadosos.

Outras amostras

Apesar de não poder afirmar de imediato se a amostra terá sucesso na análise, qualquer material que tenha entrado em contato com algum fluído biológico é fonte potencial de DNA.

4. QUALIDADE DAS AMOSTRAS

Além da coleta e manuseio serem atividades que devem ser imprescindivelmente feitas por indivíduos habilitados em ciências forenses, existem padrões rígidos a seguir para manter a integridade das amostras. O método depende do local e da condição do material biológico, no entanto, é fundamental que cada item seja manuseado e acondicionado separadamente, identificado e devidamente lacrado. O estado de cada material deve ser documentado antes de ser levado ao laboratório, onde as amostras serão armazenadas adequadamente, conforme tipo e estado.

 

REFERÊNCIAS

Medeiros RJ. A Genética na Prova Penal. Ed. Pilares; 2009.

Garrido RG. Evolução dos Processos de Identificação Humana: das características antropométricas ao DNA. Genética na Escola 2009; 5: 38-40.

* As estatísticas de sucesso das amostras foram retiradas pelo laboratório “DNA Barato”, você pode conferir no site: https://www.dnabarato.com.br/

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