Por que quase todas as bruxas eram mulheres durante a inquisição?

Adriana Tinoco
(Imagem: Halanna Halila/Unsplash)

Você já parou para pensar por que se fala em “caça às bruxas” e não em “caça aos bruxos”? A expressão vem do movimento de perseguição religiosa, ocorrido na Europa e Nova Inglaterra (atualmente, região no nordeste dos Estados Unidos), entre os séculos XV e XVIII. Mas por que a maioria das supostas bruxas eram mulheres?

Mulheres eram maioria nas execuções de bruxas

É fato que as mulheres eram maioria entre os acusados de bruxaria. Por exemplo, no famoso julgamento das bruxas de Salém, em 1692, 14 das 19 pessoas consideradas culpadas e executadas por bruxaria eram mulheres.

Em toda a Nova Inglaterra, onde os julgamentos de bruxas ocorriam quase que regularmente entre 1638 e 1725, as mulheres superaram largamente o número dos homens entre os acusados ​​e executados.

E, vale destacar, mesmo quando os homens enfrentavam alegações de bruxaria, geralmente isso acontecia porque estavam de alguma forma associados às mulheres acusadas, como maridos ou irmãos.

A posição social das mulheres no período de Caça às Bruxas

O alto número de mulheres acusadas de serem bruxas é explicado pela posição que elas ocupavam na sociedade da época. Dentro dessa sociedade profundamente religiosa, quase tudo que uma mulher fizesse poderia se transformar em prova de seu pacto com as forças das trevas.

Na época, pensava-se que as mulheres deveriam apenas dar à luz a filhos, criá-los, administrar a vida doméstica e ser exemplo de subserviência cristã a seus maridos. Esse pensamento vinha da leitura da época sobre a Bíblia e a história de Eva e sua maçã pecaminosa. 

Por conta disso, as mulheres eram vistas como mais propensas a serem tentadas pelo diabo. Como magistrados, juízes e clérigos, os homens impuseram as regras dessa sociedade americana primitiva.

Toda mulher poderia ser uma bruxa

Não é exagero quando dissemos que praticamente qualquer coisa que a mulher fizesse poderia ser motivo para que ela fosse acusada de praticar bruxaria. Exemplificando, possuir muitas riquezas poderia ser visto como ganhos pecaminosos. Por outro lado, ser muito pobre sinalizaria um caráter duvidoso. Ter muitos filhos poderia indicar um acordo com um diabo. Ter poucos filhos também era motivo de suspeita. 

Pior ainda para aquelas mulheres que não cumpriam de alguma forma os papéis prescritos. Muitas parteiras e curandeiras foram mortas, assim como mulheres que não eram consideradas castas o suficiente.

Boatos eram tomados como provas

Através dos registros das acusações fica ainda mais claro como a caça às bruxas era calcada em rumores. Um exemplo é a história de Mary Webster, de Hadley, Massachusetts. Ela era casada, mas não tinha filhos. Mary contava com a caridade de vizinhos para sobreviver. Aparentemente, Webster não era grata o suficiente pelas esmolas que recebia e desenvolveu uma reputação de ser uma pessoa desagradável.

Então, os vizinhos de Webster a acusavam de bruxaria em 1683, quando ela tinha cerca de 60 anos, alegando que trabalhava com o diabo para enfeitiçar as criações de gado do local.

Já Mary Bliss Parsons, de Northampton, também em Massachusetts, era o oposto de Webster. Ela era a esposa de um homem bastante rico e tinha nove filhos. Mas, os vizinhos a consideraram uma “mulher de maneiras dominadoras”. Em 1674, ela foi acusada de bruxaria.

Punição para as inocentes

Nem todos os julgamentos de bruxaria na Nova Inglaterra ou na Europa resultavam em condenação á fogueira. As acusadas nos casos acima, por exemplo, foram absolvidas. Mas, isso não quer dizer que saíram impunes da situação. Mesmo inocentadas, comum que as supostas bruxas tivessem que pagar multas, isso depois de passar algum tempo na prisão.

E ainda temos que considerar os danos à reputação dessas mulheres. Por exemplo, Mary Parsons teve que se mudar com sua família para Boston, tentando escapar dos boatos que persistem mesmo após sua absolvição. Já Mary Webster voltou a ser acusada de bruxaria, quando um de seus vizinhos adoeceu. Os moradores tentaram até enforcá-la, mas ela sobreviveu.

Acusações motivadas por vingança ou ignorância

Julgamento das bruxas de Salém
Ilustração do julgamento das “bruxas de Salém”, de William A. Crafts, 1876. (Imagem: Wikipédia)

Historiadores apontam que muitos casos de pessoas supostamente possuídas pelo demônio seriam, na verdade, vítimas de uma intoxicação. Um fungo denominado claviceps purpurea, muito comum em plantações de cereais, e é a causa mais provável. Este fungo pode afetar seriamente o sistema nervoso central. Sabe-se também que convulsões epilépticas também eram vistas como sinal de possessão.

Em outros casos, é possível perceber que as acusações de bruxaria eram uma forma de extorsão ou feitas visando se apropriar dos bens dos acusados. Vingança também era um constante motivador de denúncias.

Dessa forma, os julgamentos de bruxas não eram apenas acusações infundadas ou até absurdas. Eles também revelam um sistema de justiça que transformava rusgas locais em grandes crimes, punidos na fogueira ou com enforcamento. E, no fim das contas, já que as “provas” mais frágeis eram aceitas, os julgamentos só serviam a quem tinha mais poder e, portanto, mais peso em sua palavra.

Compartilhar