Esta abelha tem metade do corpo feminino e a outra metade masculina

Damares Alves
O rosto de uma abelha crepuscular (Megalopta amoena) que é metade feminina (lado esquerdo) e metade masculina (lado direito). (Chelsey Ritner / Utah State University)

Geralmente, os animais tendem a ser sexualmente dimórficos. Machos, têm gametas pequenos, e fêmeas, gametas grandes, os quais são necessários para a reprodução sexual. Mas vez ou outra na natureza podem ser encontrados ginandromorfos. Diferente dos hermafroditas, que geralmente parecem masculinos ou femininos, mas têm os órgãos reprodutivos de ambos, os ginandromorfos possuem corpos inteiros com características metade femininas e metade masculinas. Um bom exemplo de ginandromorfismo é uma abelha descoberta em 2018 pelo pesquisador Erin Krichilsky. O lado direito do rosto do pequeno polinizador ostentava uma linha da mandíbula robusta e aparada com dentes pequeninos – características normalmente encontradas em uma fêmea. Já a metade esquerda do inseto tinha as características delicadas e finas de um macho.

Ginandromorfismo não é nenhuma novidade

No lado esquerdo, a abelha é fisiologicamente masculina. Tem uma mandíbula pequena e delicada, uma antena longa e uma perna traseira fina e delicada com menos cerdas. O lado direito tem características femininas – uma antena mais curta, uma mandíbula pronunciada e dentada e uma perna traseira espessa e peluda.

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Ao contrário dos hermafroditas, que geralmente parecem masculinos ou femininos, mas têm os órgãos reprodutivos de ambos, os ginandromorfos possuem corpos inteiros que são metade femininos e metade masculinos. Embora raro, este não é um fenômeno novo, ginandromorfos já foram encontrados em pelo menos 140 espécies de abelhas, além de borboletas, pássaros e crustáceos. Mas nas abelhas, esta característica geralmente só é vista depois que o inseto já está morto e em um museu.

O rosto de uma abelha crepuscular  (Megalopta amoena) que é metade feminina (esquerda do espectador, abelha direita) e metade masculina (direita do espectador, esquerda da abelha) (Chelsey Ritner / Utah State University)
O rosto de uma abelha crepuscular (Megalopta amoena) que é metade feminina (lado esquerdo) e metade masculina (lado direito). (Chelsey Ritner / Utah State University)

Agora os cientistas acabaram de anunciar no Journal of Hymenoptera Research, o primeiro indivíduo ginandromórfico conhecido de sua espécie em uma abelha noturna nativa da América Central e do Sul, a Megalopta amoenae. Os cientistas poderão estudar uma abelha ginandromórfica viva. Isso é algo inédito e que pode nos ajudar a aprender muito sobre esses insetos fascinantes.

  Características físicas das abelhas

Os pesquisadores não analisaram os genes da abelha para confirmar seu status ginandromorfo. Mas eles puderam analisar diferenças indiscutíveis em sua anatomia.

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 As abelhas, vespas e formigas vivem em sociedades matriarcais nas quais as fêmeas fazem quase todo o trabalho. Coletando pólen, construindo ninhos e cuidando das larvas. Por isso as fêmeas evoluíram com características compatíveis com sua lista interminável de tarefas: mandíbulas fortes capazes de cavar madeira; pernas traseiras grossas e peludas que podem capturar e transportar pólen; e um ferrão de ponta afiada para defesa.

Já os machos, no entanto, apenas possuem apenas a tarefa de se reproduzir, apresentando um físico mais frágil.

Uma abelha suada (Megalopta amoena) que é metade feminina (lado direito do corpo) e metade masculina (lado esquerdo do corpo). As fêmeas desta espécie têm mandíbulas maiores, pernas e ferrões mais grossas e peludas. (Chelsey Ritner / Universidade Estadual de Utah)
Uma abelha crepuscular (Megalopta amoena) que é metade feminina (lado direito do corpo) e metade masculina (lado esquerdo do corpo). As fêmeas desta espécie têm mandíbulas maiores, pernas e ferrões mais grossas e peludas. (Chelsey Ritner / Universidade Estadual de Utah)

Como isso é possível?

Embora não se tenha certeza de como exatamente essa abelha peculiar surgiu, outros estudos em insetos semelhantes podem fornecer algumas teorias. Há alguns anos, cientistas da Universidade de Sydney, analisaram os genes de vários casos de ginandromorfos das abelhas. Eles descobriram que os híbridos fêmea-macho provavelmente eram o resultado de um acidente no desenvolvimento larval.

Nos seres humanos, o sexo biológico é determinado por dois cromossomos sexuais – um da mãe e outro do pai. A herança de dois X produz uma menina, enquanto um X e um Y cria um menino. Mas o mesmo não acontece com as abelhas. Todos os ovos fertilizados, que carregam material genético de uma mãe e de um pai, eclodem como abelhas, fêmeas. Mas os ovos não fertilizados, ainda podem gerar filhos: machos sem pai que carregam apenas um conjunto de cromossomos de suas mães – metade do que é encontrado nas fêmeas. O sexo, em outras palavras, é determinado pela quantidade de informação genética nas células de uma abelha.

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Em ocasiões raras, um segundo espermatozoide pode penetrar em um óvulo já fertilizado – uma futura fêmea – e começar a se copiar, explica a equipe de pesquisa. Isso cria duas linhagens assimétricas na qual cada uma preenche sua própria metade do embrião em crescimento: uma resultante da união do óvulo e o primeiro espermatozoide que se desenvolve como fêmea e outra nascida exclusivamente a partir do segundo espermatozoide. Como esse segundo esperma nunca se associa ao seu próprio óvulo, a contagem de cromossomos em sua linhagem permanece baixa, criando apenas células masculinas.

Muita análise ainda é necessária

Embora os híbridos macho-fêmea de outras espécies possam se manifestar de outras maneiras, esses eventos de dupla fertilização parecem explicar — pelo menos em alguns casos — o ginandromorfismo nas abelhas.

Mas essa hipótese pode não ser o que aconteceu com a nova abelha Megalopta. Isso porque, sem dissecar o novo espécime e analisar seu genoma, os pesquisadores não sabem dizer o que de fato aconteceu.

O estudo foi publicado no Journal of Hymenoptera Research, clique aqui para acessá-lo.

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