Com o objetivo de facilitar o diagnóstico precoce da doença de Alzheimer, pesquisadores da Universidade Federal do ABC (UFABC) trabalham para desenvolver, aprimorar e validar marcadores baseados na análise computacional de dados de eletroencefalografia quantitativa, técnica de baixo custo e não invasiva que permite um mapeamento da atividade cerebral.
O trabalho é coordenado por Francisco José Fraga da Silva, professor do Centro de Engenharia, Modelagem e Ciências Sociais Aplicadas (CECS), que falou sobre o tema em palestra apresentada na FAPESP Week France.
“Embora seja uma doença progressiva e, até agora, incurável, o diagnóstico e o tratamento precoce permitem retardar a progressão dos sintomas e melhorar a qualidade de vida dos pacientes”, disse o pesquisador.
Durante o evento, Fraga da Silva apresentou um resumo dos estudos que conduziu nos últimos 10 anos – vários deles com apoio da FAPESP – sobre processamento e classificação de exames de eletroencefalografia quantitativa. O objetivo é criar métodos para apoiar tanto o diagnóstico precoce da doença de Alzheimer como de uma condição conhecida como comprometimento cognitivo leve (CCL), caracterizada por uma perda de memória leve e contínua, que pode ou não progredir para um quadro de demência.
A pesquisa envolve engenharia da informação, neurociência e temas como processamento de sinais biomédicos, reconhecimento de padrões e aprendizado de máquina.
“É muito importante diagnosticar e acompanhar adequadamente pacientes com CCL, uma vez que são pessoas com risco aumentado de desenvolver demência”, disse Fraga da Silva. “Estatísticas recentes mostram que cerca de 50% de todas as pessoas que relataram sintomas de CCL a um médico desenvolveram Alzheimer nos quatro anos seguintes.”
O pesquisador explicou que há metodologias já validadas para diagnóstico de CCL e do Alzheimer que demandam equipamentos como tomografia computadorizada e ressonância magnética funcional – ambos caros e pouco acessíveis em países mais pobres ou em áreas distantes dos grandes centros urbanos.
O eletroencefalograma, por outro lado, é uma técnica barata, portátil e, além disso, não invasiva. O equipamento permite registrar a atividade elétrica do cérebro por meio de eletrodos colocados no couro cabeludo.
Na avaliação de Fraga da Silva, o baixo custo e a larga disponibilidade do equipamento permitem a realização de exames seriados e o acompanhamento da evolução do estado neurológico.
Resultados
Em um estudo divulgado recentemente na revista Computer Methods and Programs in Biomedicine o grupo da UFABC e colaboradores canadenses investigaram o uso de potenciais evento-relacionados (ERP) e de sincronização/dessincronização relacionada a eventos (ERS/ERD) para o diagnóstico da doença de Alzheimer em estágio inicial.
ERP (Event-Related Potentials) é um tipo de análise baseado na média de vários segmentos de eletroencefalograma que permite identificar a atividade cerebral específica quando o indivíduo é exposto a determinados estímulos sensoriais (em geral, visuais ou auditivos).
Já a análise ERS/ERD (Event-Related Synchronization/Desynchronization) permite detectar, respectivamente, o aumento e a diminuição de ritmos específicos (ritmo alfa, por exemplo), que ocorrem durante e logo depois do estímulo sensorial.
O eletroencefalograma abrange quatro ritmos principais de ondas mentais: beta (estado normal de vigília), alfa (estados mentais relaxados), teta (ocorre em meditação, sono e relaxamento profundo) e delta (sono profundo).
“Esses ritmos, que nada mais são que oscilações em bandas de frequência específicas, aparecem normalmente combinados em sinais de eletroencefalograma, mas podem ser separados por meio de filtros”, explicou Fraga da Silva à Agência FAPESP.
Os autores do artigo compararam – durante a realização de tarefas que demandavam o uso de memória de curto prazo (memória de trabalho ou operacional) – os resultados comportamentais (tempo e acurácia de reação) e as respostas ERP e ERS/ERD em idosos saudáveis (grupo controle), em pacientes com CCL e em um outro grupo com portadores de Alzheimer em estágio inicial.
Os resultados indicaram que as análises ERS/ERD se mostraram mais eficientes do que ERP na detecção precoce de Alzheimer e de CCL.
“Esperamos que da busca de biomarcadores topográficos baseados em eletroencefalografia quantitativa possa surgir um aplicativo computacional que permita aumentar significativamente a acurácia, a sensibilidade e a especificidade na detecção precoce da doença de Alzheimer”, disse Fraga da Silva.
O simpósio FAPESP Week France foi realizado entre os dias 21 e 27 de novembro, graças a uma parceria entre a FAPESP e as universidades de Lyon e de Paris, ambas da França. Leia outras notícias sobre o evento em www.fapesp.br/week2019/france.
Este texto foi originalmente publicado por Agência FAPESP de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original aqui.