Grandes mamíferos tornam solo da floresta mais fértil

Agência FAPESP
(AdstockRF)

Os queixadas (Tayassu pecari) são porcos-do-mato que vivem em bandos de 50 a 100 indivíduos e comem um pouco de tudo, mas na Mata Atlântica têm preferência pelos frutos da palmeira juçara (Euterpe edulis). A grande produtividade da juçara, porém, provavelmente só é possível porque os animais fazem uma eficiente “adubação” do solo. As enormes quantidades de fezes e urina que catetos, antas, queixadas e outros animais que se alimentam de frutos deixam no chão liberam formas de nitrogênio, importante elemento para o crescimento das plantas.

Um estudo apoiado pela FAPESP, publicado na revista Functional Ecology, mostrou que em áreas livres desses grandes mamíferos a quantidade de amônia, uma forma de nitrogênio no solo, era até 95% menor. Os resultados mostram, pela primeira vez, a importância dos grandes mamíferos também para o ciclo de nitrogênio nas florestas tropicais e é mais um alerta sobre os riscos da perda desses animais.

Grandes mamíferos anta
(Anna Schultz/Wikimédia commons)

“Qualquer produtor rural sabe que é preciso nitrogênio no solo para uma boa produtividade. Estudos em outros ambientes já mostraram que a presença de ruminantes estimula o crescimento de gramíneas, por conta do aporte de nitrogênio dos excrementos e pela otimização da atividade dos microrganismos envolvidos na ciclagem desse nitrogênio no solo. Mostramos agora que o mesmo efeito ocorre em florestas tropicais com grandes mamíferos frugívoros”, disse Nacho Villar, primeiro autor do artigo e bolsista de pós-doutorado da FAPESP no Instituto de Biociências da Universidade Estadual Paulista (IB-Unesp), em Rio Claro.

O estudo mostra ainda que esses animais redistribuem o nitrogênio, fertilizando áreas que sem eles seriam muito pobres desse elemento e, portanto, com baixa produtividade vegetal. Os pesquisadores estimaram que, com os grandes mamíferos, esses locais recebem quatro vezes mais amônia e 50 vezes mais nitrato, em comparação a áreas sem essa fauna.

O estudo integra o projeto “Consequências ecológicas da defaunação na Mata Atlântica”, coordenado por Mauro Galetti, professor do IB-Unesp, no âmbito do programa BIOTA-FAPESP. Atualmente, Villar realiza estágio de pós-doutorado no Centro de Ecologia dos Países Baixos (NIOO).

Tayassu pecari Brazil 8
(Ana Cotta/ Flickr)

Para chegar aos resultados, os pesquisadores utilizaram parte do maior experimento de exclusão de grandes mamíferos da América do Sul. Trata-se de 86 parcelas de floresta de 15 metros quadrados no Parque Estadual da Serra do Mar. Metade delas é cercada desde 2010, impedindo a entrada de grandes mamíferos. Nas outras áreas demarcadas, todos os animais transitam livremente. Uma amostragem das áreas conta com armadilhas fotográficas, que comprovam a presença ou ausência de queixadas, catetos (Pecari tajacu) e antas (Tapirus terrestres), entre outros.

Microrganismos, amônia e nitrato

No estudo atual, foram analisadas amostras de solo de oito parcelas cercadas e oito abertas, colhidas na estação chuvosa e na seca, em áreas com diferentes graus de abundância de palmeiras juçara. Nas áreas em que os grandes mamíferos não entram, as concentrações de amônia foram até 95% menores do que nas parcelas onde eles circulam livremente.

Além disso, constatou-se que na presença dos animais a amônia é convertida em nitrato mais rapidamente, por conta dos microrganismos presentes no solo que ajudam nessa conversão. Apesar de as plantas também absorverem amônia, o nitrato pode ser usado imediatamente no seu metabolismo. Por isso, é geralmente considerado mais valioso do ponto de vista da fisiologia vegetal.

“Os queixadas compõem entre 80% e 90% de toda a biomassa de mamíferos da Mata Atlântica, circulam por territórios extensos em grandes grupos, fertilizando a floresta. As antas, por terem uma densidade mais baixa, têm uma participação menor no ciclo de nitrogênio, mas a quantidade de excrementos de cada indivíduo e a área que percorrem é considerável, inclusive dispersando sementes”, afirma Villar. Outro estudo do grupo já havia mostrado o papel de antas e queixadas na diversidade e abundância de espécies vegetais (leia mais em: https://agencia.fapesp.br/31388/).

Essa grande biomassa de animais frugívoros é atraída pela enorme produção de frutos da juçara, que por sua vez tem o solo fertilizado pelos excrementos e provavelmente frutificam mais, gerando um ciclo positivo para os animais, para as plantas e para os microrganismos do solo, que são estimulados pela presença de excrementos. Por isso, os pesquisadores propõem no trabalho o termo “sítios de frutificação” (fruiting lawns), consistente com o conceito de “sítios de pastagem” (grazing lawns), usado para descrever processo semelhante em ambientes como as savanas africanas, onde os animais são ruminantes e a vegetação composta de gramíneas.

Nos próximos passos da pesquisa, o grupo pretende investigar se o aporte maior de nitrogênio possibilitado pela interação de grandes mamíferos e plantas faz com que estas absorvam mais carbono da atmosfera e o solo libere menos gases do efeito estufa. Com isso, a interação entre plantas e animais teria ainda um papel importante na regulação das mudanças climáticas globais.

O artigo Frugivory underpins the nitrogen cycle, de Nacho Villar, Claudia Paz, Valesca Zipparro, Sergio Nazareth, Leticia Bulascoschi, Elisabeth S. Bakker e Mauro Galetti, pode ser lido em: https://besjournals.onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1111/1365-2435.13707.

Este texto foi originalmente publicado por Agência FAPESP de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original aqui.

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