Transplantes de órgãos “universais”? Cientistas alcançam nova criação

Dominic Albuquerque

Transplantes de órgãos salvam vidas. Pessoas no mundo inteiro entram em listas de espera, aguardando pela chance de prosseguirem vivendo com um novo órgão saudável. Contudo, até hoje isso depende do tipo sanguíneo.

Um estudo sugere, todavia, um cenário diferente. Usando pulmões doados, cientistas conseguiram com sucesso sua conversão em transplantes de órgãos “universais” durante uma prova de conceito. Isso significa que, na teoria, os pulmões poderiam ser transplantados em qualquer recipiente, independente do tipo sanguíneo. Para isso, os órgãos devem ser do tamanho adequado.

A pesquisa foi publicada na quarta-feira (16) na Science Translational Medicine. Os pesquisadores fizeram experimentos nos pulmões através de um aparelho de perfusão pulmonar ex vivo (EVLP, na sigla em inglês). O dispositivo mantém o pulmão vivo fora do corpo.

No próximo ano e meio, os autores do estudo planejam testar os órgãos num experimento clínico com recipientes humanos, segundo o Dr. Marcelo Cypel. Marcelo é o diretor cirurgião do Ajmera Transplant Centre, e professor de cirurgia na Universidade de Toronto, além de autor sênior do estudo.

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O desafio dos tipos sanguíneos

Na classificação ABO, existem quatro tipos sanguíneos principais: A, B, AB e O. Nos transplantes de órgãos, os antígenos oriundos os tipos sanguíneos são cruciais para uma operação de sucesso. Isso porque o plasma — a porção fluida do sangue — contém anticorpos que reagem a antígenos sanguíneos diferentes.

Uma pessoa com tipo A possui anticorpos anti-B no seu plasma. Isso a impede de receber transfusões sanguíneas do tipo B. No caso de pessoas do tipo O, há anticorpos anti-A e anti-B, limitando suas combinações a outros doadores do tipo O. Órgãos do tipo O, contudo, não possuem antígenos, e por isso podem ser doados para recipientes de qualquer outro tipo sanguíneo.

Segundo o Dr. Richard N. Pierson III, professor de cirurgia na Harvard Medical School e diretor científico no Center for Transplantation Sciences at Massachusetts General Hospital, a nova tecnologia poderia ajudar a reduzir o número de doações de pulmão que precisam ser descartadas por não haver tipo sanguíneo ou tamanho compatível nos recipientes acessíveis.

Um relatório feito em 2019 no The Journal of Heart and Lung Transplantation indicou que pacientes com tipo O tem mais 20% de chances de morrerem enquanto aguardam por um transplante quando comparados a outros tipos sanguíneos, pois precisam esperar mais tempo na fila.

Transplantes de órgãos “universais” como solução

Buscando uma solução para essa taxa, Cypel procurou Stephen Withers, um professor de bioquímica na Universidade da Colúmbia Britânica. O laboratório de Withers tem trabalhado num método de extrair os antígenos nas células vermelhas do tipo A, B e AB, especificamente para transformá-las em células do tipo universal O.

Em 2018, a equipe descobriu um grupo de enzimas no intestino humano que poderiam realizar isso eficientemente, de acordo com uma declaração. As duas equipes então se uniram na Universidade de Alberta para o novo estudo com transplantes de órgãos.

Na pesquisa, os pulmões receberam o tratamento enzimático com a ajuda do dispositivo EVLP, que manteve a temperatura corporal dos pulmões e bombeou uma solução de nutrientes, proteínas e oxigênio através dos órgãos. A equipe descobriu que, aplicando as enzimas por quatro horas, eles conseguiam eliminar 97% dos antígenos A dos pulmões.

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A técnica converte pulmões doados em transplantes de órgãos que podem ser colocados em pessoas de qualquer tipo sanguíneo. (Créditos da imagem: University Health Network).

Segundo Cypel, “isso é bem aplicável clinicamente”.

Agora, o pesquisador e seus colegas começaram a preparar uma proposta para testes clínicos dos pulmões tratados com enzima. Em pacientes humanos, a equipe vai poder verificar questões que não podem ser respondidas em laboratório.

O tratamento enzimático eventualmente poderia ser usado numa variedade de transplantes de órgãos, junto aos pulmões, assim como em sangue usado para transfusões. Pierson disse que “não há razão para não ser usado em qualquer outro órgão sólido ou transplante celular”.

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