Mitologia nórdica

Adriana Tinoco

A mitologia nórdica se refere às crenças religiosas do povo escandinavo e das tribos germânicas do norte, no período pré-cristão, que refletem a maneira como essa cultura enxergava o mundo, com grande foco na destreza física e no poderio militar. 

Esses mitos foram originalmente transmitidos oralmente na forma de odes e epopeias. O que se sabe deles é baseado principalmente em duas coletâneas, Edda em Prosa e Edda em Verso, além de alguns textos medievais, escritos durante e após a cristianização dos povos nórdicos. A  maior parte das fontes escritas foi reunida a partir de relatos registrados na Islândia, em XI d.C.

A rica mitologia nórdica permanece como inspiração na literatura, música, filmes e revistas em quadrinhos. Além disso, alguns rituais ainda permanecem vivos como parte da tradição dos povos escandinavos e germânicos.

Mitologia e a sociedade Viking

A mitologia nórdica foi um reflexo da sociedade sobre sua visão de mundo. Uma forma de entendermos isso, é temos em mente que a palavra síður, que significa “costume”,  é o mais próximo do conceito de religião apresentado pelo idioma germanico. O que significa que embora existissem muitos deuses, é bem provável que o que os vikings entendiam por prática religiosa fosse muito diferente do que entendemos hoje.

Obviamente, o que exatamente os vikings pensavam em relação a todos esses diferentes é difícil de definir. No entanto, evidências arqueológicas ajudam a sugerir a devoção pessoal a deuses específicos com os quais as pessoas se sentiam conectadas, com costumes e rituais que os acompanhavam sendo uma parte padrão da vida cotidiana. 

Locais que provavelmente aconteciam cultos e rituais ganhavam nomes em homenagem aos deuses,  como Fröslunda (“o bosque dedicado ao deus Freyr”). Exceto por deduções de historiadores, não há realmente provas sobre  a existência de templos honrando a Odin, Thor ou qualquer outro deus nórdico. No entanto, foram encontrados vestígios arqueológicos de outras construções, por exemplo um grande salão, datado entre os séculos III e X a.C.

Uma coisa é certa sobre os povos nórdicos: a religião não era algo estático. Prova disso é que, quando o Cristianismo avançou, Cristo foi adicionado à lista de deuses dessa cultura politeísta e durante muitos anos as duas religiões conviveram.

Os vários mundos

Os escandinavos e germânicos acreditavam que o cosmos estava dividido em nove reinos, alguns sendo considerados mais relevantes que outros. Três dos mais importantes são: Asgard, o reino dos deuses, Midgard, o reino dos mortais e Niflheim, o submundo. Esses três reinos eram sustentados por uma enorme árvore, Yggdrasil, com o reino dos deuses escondido entre os galhos superiores, o reino dos mortais aproximadamente na metade da árvore e o submundo ficando entre suas raízes. 

Asgard podia ser alcançada atravessando Bifrost, uma ponte mágica de arco-íris, guardada por Heimdall, o deus mudo da vigilância, que podia ver e ouvir mil milhas. Valhalla, o salão de Odin,  localizado dentro de Asgard, pode ser visto como o paraíso nórdico, pois é o local de descanso final para as almas dos maiores guerreiros humanos. Para ganhar um lugar entre eles, era necessário que sua bravura fosse observada pelas Valquírias, as mensageiras guerreiras de Odin.

Outros reinos são: Muspell, mundo do calor escaldante; Alfheim, mundo dos elfos; Svartálfheim, lar dos elfos negros; Nidavellir, mundo dos anões; e Jotunheim, mundo dos Jotun ou gigantes.

Os clãs

Na mitologia nórdica há  três clãs  de divindades: os Aesir, os Vanir e os Jotun. Aesir e Vanir chegaram à paz trocando reféns, se casando e reinando juntos, após uma guerra prolongada. A maior diferença entre os dois clãs é sua área de influência. Aesir representa a guerra e conquista, já Vanir é a fertilidade e riqueza.

Algumas das mais importantes divindades dos dois clãs são: Odin, o deus pai que governa o panteão; Frigga, esposa de Odin e rainha dos deuses; Thor, deus da tempestade; Freya, a deusa da beleza; Heimdall, a sentinela de Asgard; Tyr, o deus do combate; Balder, o deus da primavera e da renovação; e Loki, a divindade trapaceira.

A relação desses clãs com os Jotun é instável. Jotun é um termo frequentemente traduzido como gigantes, mas “trolls” e “demônios” também seriam traduções adequadas. Esses seres são descritos como monstruosos, comparáveis ​​aos Titãs da mitologia grega. Apesar da relação delicada, os deuses eram relativamente próximos dos Jotun, já que haviam casamentos entre eles e até deuses descendentes do clã Jotun. Por exemplo, Loki era filho de dois gigantes e Hela era meio-gigante. 

Algo curioso sobre os deuses nórdicos é que eles não eram imortais. Suas vidas eram prolongadas pelas maçãs de Iduna para que pudessem aguardar o fim, durante o Ragnarök.

Idun_and_the_Apples - mitologia nórdica
Iduna e a Maçã

Outros seres

Além dos deuses e gigantes, haviam muitos outros seres sobrenaturais na mitologia nórdica, incluindo elfos, anões e monstros, como Fenrir, o lobo gigantesco, e Jörmungandr, a serpente marinha que cerca Midgard. Essas duas criaturas são filhos de Loki e uma gigante.

Reis e heróis

A mitologia nórdica também é rica em lendas sobre heróis e reis humanos. Esses contos, muitas vezes sobre os fundadores de clãs e reinos, possuíam grande importância para a valorização das origens nacionais e como modelos de ação adequada. Muitas das figuras lendárias provavelmente existiram, levando diversos estudiosos a tentar extrair a história por trás dos mitos.

Às vezes, o mesmo herói ressurge de formas diferentes, dependendo da localidade, como Wayland e Völund, Siegfried e Sigurd, e Beowulf e Bödvar Bjarki. Outros heróis notáveis ​​são Hagbard, Starkad, Ragnar Lodbrok, Sigurd Ring, Ivar Vidfamne e Harald Hildetand. 

Renomadas também são as escudeiras, chamadas de skjaldmö, mulheres comuns que escolheram se tornar guerreiras. 

Dualidade

É importante ressaltar que, assim como outras religiões politeístas, a mitologia nórdica não possui o dualismo bem contra o mal, que costuma predominar em religiões monoteístas. Assim, Odin, por exemplo, não é retratado como um ser puro e totalmente benevolente; Loki não é um adversário dos deuses, embora ele se divirta em fazer com que os planos de Thor dêem errado. Da mesma forma, os gigantes não são fundamentalmente maus, apenas rudes, barulhentos e incivilizados. Dessa forma, o dualismo na mitologia nórdica não é a oposição do bem contra o mal, mas da ordem contra o caos.

Cosmologia nórdica 

A  cosmologia na mitologia nórdica é dividida em  quatro fases: o processo em que o mundo – e tudo nele – foi criado; a fase em que o tempo é iniciado; a destruição do mundo no Ragnarök; e o recomeço.

Início

O início dos tempos é chamado de Völuspá. De acordo com os escandinavos e germânicos, o universo em seu estado primordial era um reino de fogo (Muspell) e gelo (Niflheim). Quando o ar quente de Muspell atingiu o gelo frio de Niflheim, o contorno de um gigante (Ymir) e da vaca gelada (Audhumla) foram criados. Lentamente, a vaca gigante começou a lamber a geada da pele do gigante adormecido, eventualmente libertando-o de sua prisão gelada. 

Enquanto Ymir dormia, o calor contínuo de Muspell o fez suar. Do suor veio Surt, um gigante flamejante que foi para Muspell, cujo fogo o fez sentir-se bem-vindo. Mais tarde, Ymir acordou e bebeu o leite de Audhumla. Mas cada gota de leite que ele derramou tornou-se um deus: Odin, Vili e Ve, que passaram a criar mais sete mundos e seus habitantes.

Fim dos tempos 

A visão nórdica do futuro é sombria: os deuses nórdicos não apenas são vencidos, como estão destinados à derrota e sempre viveram com esse conhecimento. 

No final, o clã Jotun, representando as forças do caos, superaram os guardiões divinos e heróis humanos. Loki e seus filhos monstruosos romperam suas amarras; os mortos partem de Niflheim para atacar os vivos. Heimdall convoca os deuses com um toque de sua trompa, que anuncia a batalha final. 

Os deuses, mesmo cientes de que seu destino era a derrota, reúnem seus melhores guerreiros de Valhalla para lutar ao seu lado, mas, no final, eles são impotentes para impedir que o mundo desça ao caos. Os deuses e Asgard são destruídos. Odin é engolido por Fenrir, o lobo. Thor mata Jörmungandr, a serpente, filho de Loki,  mas se afoga em seu veneno. Loki, uma figura que incorpora tanto o caos quanto a ordem dos deuses, é o último a morrer, depois de ter sofrido um ferimento de Heimdall. Após essas batalhas a própria terra sucumbe.

Thor luta com os gigantes
Thor luta com os gigantes. Imagem: Mårten Eskil Winge/Wikipédia

Depois do Ragnarök

Apesar do aparente pessimismo, o que vem depois do Ragnarök fala de renovação. O universo ressurge do oceano, como uma fértil, e um casal de seres humanos chamados Lif e Lifthrasir, sobreviventes, repovoam o planeta. Os deuses sobreviventes, Vidar, filho de Odin, e Vali, Modi e Magni, filhos de Thor,  herdam Asgard, juntos de Balder e Hoder, que retornam do mundo dos mortos.

Fé nórdica

Templos

As tribos germânicas raramente construíam grandes templos porque a forma de culto praticada pelos antigos povos escandinavos e germânicos era frequentemente celebrada ao ar livre, em bosques sagrados. Esse culto também poderia ocorrer em casa e em altares simples de pedras. No entanto, existiam alguns centros de fé, para rituais importantes, onde cultos mais formais eram realizados. 

Sacerdotes

Embora os sacerdotes pareçam ter existido na cultura nórdica, eles nunca assumiram o caráter profissional. O aspecto xamanístico da tradição nórdica foi mantido pelas mulheres, as Völvas, o que significa que os especialistas em rituais masculinos desempenhavam um papel mais restrito do que os sacerdotes druidas, na cultura celta, por exemplo.

Interações com o Cristianismo

Um problema importante na interpretação da mitologia nórdica é que muitas vezes os relatos foram escritos por cristãos que tiveram contato com a cultura nórdica. Assim, essas obras provavelmente carregam o viés cristão em sua interpretação dos mitos nórdicos.

Influências modernas

Os deuses da mitologia nórdica deixaram inúmeros vestígios em elementos da vida cotidiana na maioria dos países ocidentais, especialmente os de língua germânica. Um exemplo disso são os nomes dos dias da semana em inglês, externo por Saturday: 

  • Sunday (domingo): o dia do sol (sun’s day). Para os povos nórdicos, o Sol era personificado no deus Sigel.
  • Monday (Segunda-feira): O dia da lua (moon’s day). A lua era personificada pela irmã de Sigel, Máni.  
  • Tuesday (Terça-feira): o dia de Tyw (Tyw’s day), o deus da guerra.
  • Wednesday (Quarta-feira): o dia de Odin (Woden’s day). No inglês arcaico, Odin era chamado de Woden.  
  • Thursday (Quinta-feira): o dia de Thor (Thor’s Day). 
  • Friday (Sexta-feira): o da de Frigga (Frigg’s day). 
  • Saturday (Sábado): o dia de Saturno (Saturn’s day). Em homenagem ao deus romano Saturno, foi o único dia que manteve a origem romana.

Outros elementos da mitologia nórdica sobreviveram até os tempos modernos, como a crença nórdica no destino; o inferno cristão se assemelha à morada dos mortos na mitologia nórdica. Aliás, Hela, deusa do Mundo dos Mortos, é designada como Hel, nos antigos textos e “Hell” é a palavra do inglês para “inferno”.

Neopaganismo germânico

Os séculos XIX e XX viram tentativas de reviver a antiga religião nórdica na Europa e nos Estados Unidos sob vários nomes, incluindo Ásatrú (“Fé Aesir”), Odinism, Wotanism, Forn Sed (“Antigo Costume”) ou Heathenry. Na Islândia, Ásatrú foi reconhecido pelo estado como religião oficial em 1973, que legalizou suas várias cerimônias, como casamento e nomeação de filhos.

A influência da mitologia nórdica nas artes é enorme. Por exemplo, o Ciclo do Anel (Der Ring des Nibelungen), composição do alemão Richard Wagner, de 1857, é fortemente baseado nos mitos nórdicos, incluindo contos de Odin, Frigga, Loki, as Valquírias e Ragnarok.

Na década de 1930, o escritor estadunidense Robert E. Howard publicou uma série de contos do guerreiro cimério Conan. Embora a chamada Era Hiboriana ou a Ciméria sejam criações ficcionais, o autor também se inspirou na mitologia nórdica, bem como em outros mitos, para criar seu universo de fantasia.

Posteriormente, na década de 1950, o britânico J. R. R. Tolkien publicou  O Senhor dos Anéis, obra fortemente influenciada pelas crenças pré-cristãs. À medida que esse trabalho se tornou popular, elementos da mitologia nórdica passaram a fazer parte do gênero de fantasia, como elfos, anões e gigantes do gelo.

Thor por Jack Kirby
Thor. Imagem: Jack Kirby/Marvel

Finalmente, figuras e conceitos nórdicos são frequentemente encontrados em mídias tão diversas como animação japonesa, videogames e histórias em quadrinhos, como por exemplo, Thor, herói da Marvel Comics, criado por Stan Lee, Jack Kirby e Larry Lieber.

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