Estação antártica brasileira é reinaugurada

Agência FAPESP
Nova estrutura da estação antártica foi pré-fabricada na China e tem o dobro do tamanho da antiga estação incendiada em 2012. (Imagem: Marinha do Brasil)

É diante de um pequeno campo do musgo Sanionia uncinata, espécie endêmica das regiões polares do planeta, que Paulo Câmara, professor do Instituto de Ciências Biológicas da Universidade de Brasília (IB-UnB), busca captar algum sinal de celular para falar com a reportagem de Pesquisa FAPESP em “uma manhã agradável” de verão antártico a uma temperatura de zero grau Celsius (ºC). Duas grandes antenas de uma operadora de telefonia estão próximas, logo atrás da Estação Antártica Comandante Ferraz (EACF), a ser reaberta amanhã (14/01), reconstruída após um incêndio em 25 de fevereiro de 2012. Trabalhando desde novembro na ilha Rei George, onde ficam estações do Brasil e de outros países, o biólogo faz parte da equipe responsável por montar e testar os 17 laboratórios da nova estação (12 a mais que a antiga).

Catorze estão prontos para estudos científicos em áreas como biologia molecular, bioquímica e medicina. Nas próximas semanas serão concluídos outros três, dedicados a pesquisas em meteorologia, ciências físicas e astronômicas e para fazer medições da ionosfera, a camada de plasma (gás ionizado) da atmosfera situada entre 60 e 1.000 km de altitude.

“Trata-se da maior estrutura científica da Península Antártica e uma das maiores estações de pesquisa antártica já construídas”, disse Câmara, poucos dias antes de receber a comitiva com 45 autoridades, militares, pesquisadores e assessores que participarão da reinauguração nesta terça-feira. A cerimônia contará com a presença do vice-presidente da República, Hamilton Mourão, e de três ministros, entre eles Marcos Pontes, da Ciência, Tecnologia, Inovações e Telecomunicações (MCTIC).

A nova estação foi construída pela empresa chinesa Ceiec, vencedora de uma concorrência internacional – as obras começaram em 2015, em Shangai. O projeto, porém, ficou a cargo do escritório de arquitetura brasileiro Estúdio 41, que projetou uma estrutura mais segura que a anterior, com capacidade de aguentar de ventos de até 200 km/h, abalos sísmicos, solos congelados e fogo. A área construída está maior: são 4,5 mil m², quase o dobro da estação destruída há oito anos.

No total, foram investidos US$ 99,6 milhões – cerca de R$ 400 milhões na cotação atual. De acordo com o projeto executivo divulgado em 2013 pela Marinha, o custo previsto era de R$ 110 milhões.

A Estação Comandante Ferraz volta à ativa recebendo 19 projetos de pesquisa selecionados por um edital de 2018 do Programa Antártico Brasileiro (Proantar), que disponibilizou cerca de R$ 18 milhões a serem executados até 2022 por meio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Dois terços desse montante já foram liberados, informa o glaciologista Jefferson Cardia Simões, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e coordenador-geral do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia da Criosfera, instituição responsável por 60% da pesquisa brasileira na Antártida.

“Temos recursos para pesquisa garantidos até 2022”, afirma Simões, que é vice-presidente do Comitê Científico sobre Pesquisa Antártica (SCAR), órgão consultivo do Tratado Antártico, assinado em 1º de dezembro de 1959 em Washington, Estados Unidos. “O que preocupa é saber se haverá recursos depois de 2022, uma condição essencial para dar continuidade aos projetos”, diz Simões, ressaltando a importância diplomática da Estação Comandante Ferraz.

“Se deixar de fazer pesquisa na Antártida, o Brasil perde o direito a voto nas reuniões anuais do grupo de países que assinaram o Tratado. A estação, portanto, tem um papel geopolítico fundamental”, observa Simões. Ele explica que 30% das pesquisas do Proantar serão feitas na Comandante Ferraz. O restante é realizado no navio Almirante Maximiano, adquirido com recursos do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Telecomunicações (MCTIC) e gerido pela Marinha, em acampamentos e no Criosfera 1, módulo científico brasileiro automático de coleta de dados meteorológicos e da química atmosférica, situado a 2.500 km ao sul da nova estação.

De acordo com Paulo Câmara, as pesquisas realizadas na região têm potencial para ajudar no desenvolvimento do país. A vegetação antártica, composta fundamentalmente de musgos, esconde substâncias com potencial de inovação tecnológica. “Existem por volta de 116 espécies de plantas na Antártida, todas com capacidade de sobreviver seis meses embaixo do gelo”, informa. “Ao analisar o DNA desses vegetais, é possível identificar substâncias anticongelantes, sintetizá-las em laboratório e desenvolver produtos resistentes às baixas temperaturas.”

Um avanço da nova estação apontado por Câmara é a capacidade de extrair o DNA das amostras de plantas ainda na Antártida. A antiga base não tinha equipamentos necessários para preparar as amostras, obrigando os pesquisadores a levar o material biológico coletado para o Brasil. “Durante o transporte, parte do material estragava ou perdia suas propriedades. Agora, faremos a preparação das amostragens na própria estação, deixando tudo pronto para apenas realizar o sequenciamento genético no Brasil”, explica Câmara.

O microbiologista Luiz Henrique Rosa, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), corrobora a apreciação de Câmara. “Dispomos de instalações mais modernas não só laboratoriais, mas também salas frigoríficas para conservar amostras e equipamentos multiusuários de última geração”, diz o pesquisador, que estuda a Antártida há 14 anos e participou da montagem dos novos laboratórios. O grupo coordenado por Rosa é responsável por um acervo de 12 mil linhagens de diferentes espécies de fungos, a maior coleção de fungos antárticos do mundo, muitos deles com potencial biotecnológico. “Identificamos espécies que produzem substâncias antibióticas, pigmentos e enzimas”, diz o microbiologista, que no momento mantém uma parceria com o Instituto René Rachou da Fiocruz de Minas Gerais, em Belo Horizonte, para avaliar as substâncias bioativas produzidas pelos fungos antárticos. “O potencial para ajudar no desenvolvimento de novos medicamentos e produtos é enorme na Antártida, onde já foram identificadas aproximadamente mil espécies de fungos, o que representa apenas 1% já descritos até o momento.”, observa Rosa.

O mesmo pode ser dito das algas marinhas presentes na Antártida marítima. Um grupo coordenado pelo químico Pio Colepicolo Neto, do Instituto de Química da Universidade de São Paulo (IQ-USP), registrou 25 patentes resultantes da bioprospecção de moléculas extraídas de macroalgas marinhas com atividade biológica contra o câncer e outras doenças. “Duas moléculas estão no processo de semi-síntese e já despertam o interesse de empresas farmacêuticas”, diz Colepicolo Neto, que mantém parcerias com universidades de todo o país. Uma tem potencial para tratar câncer colorretal e de mama e é pesquisada por uma equipe da Universidade de Caxias do Sul; a outra molécula é eficaz contra a leishmaniose e está sendo analisada por cientistas da Universidade Estadual Paulista (Unesp), campus de Araraquara.

Colepicolo Neto explica que o cultivo de algas da Antártida é extremamente difícil, depende de condições especiais de temperatura, o que eleva o custo de uma possível produção em laboratório. A extração de amostras para fins de produção industrial de medicamentos também é descartada. “Não queremos recorrer aos bancos naturais da Antártida e retirar dali toneladas de algas por ano”, pontua. “A aposta, portanto, é na síntese química, uma etapa da pesquisa a ser feita no Brasil”, diz Colepicolo Neto, que integrou o grupo de cientistas consultados pela Marinha para projetar a nova Estação Comandante Ferraz. “O projeto inicial não incluía uma biblioteca, algo indispensável para quem faz pesquisa. Fizemos com que fosse montada uma.”

O grupo coordenado por Colepicolo Neto não foi contemplado pelo último edital do Proantar, lançado em 2018. Mesmo fora da lista do programa, é possível solicitar ao MCTIC a inclusão de pesquisadores cuja ida à Antártida seja indispensável para o andamento de um projeto, explica Colepicolo Neto. “Pretendemos solicitar o envio de quatro pesquisadores do meu grupo para coletar novo material genético de algas.”

Material originalmente publicado em Pesquisa FAPESP.

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