Cientista brasileiro desenvolveu robôs microscópicos que destroem filmes bacterianos

SoCientífica
Enxame de robôs fazendo a limpeza de uma superfície.

Quem já teve que enfrentar um abcesso em seguida a um tratamento de canal dentário pode avaliar a importância de um potencial aliado no futuro: robôs em miniatura guiados por campos magnéticos. Parece futurista imaginar uma broca em forma de hélice fazendo uma limpeza completa no interior do dente, mas é uma realidade imediata para o químico Amauri Jardim de Paula, do Departamento de Física da Universidade Federal do Ceará (UFC). Em parceria com pesquisadores da Universidade da Pensilvânia, nos Estados Unidos, ele desenvolveu maneiras de transformar partículas de óxido de ferro em robôs destruidores de filmes bacterianos. Os resultados estão descritos em artigo publicado no dia 24 de abril na revista Science Robotics.

Durante um período sabático no laboratório do dentista teuto-brasileiro Hyun Koo, especialista em biofilmes bacterianos, Amauri de Paula conduziu os experimentos que levaram ao desenvolvimento de dois protótipos. Especialista em nanotecnologia, ele contou com a parceria do engenheiro norte-americano Edward Steager, do laboratório do indiano Vijay Kumar na Universidade da Pensilvânia. “O grupo de robótica do professor Kumar tem experiência com algoritmos para controle de robôs com uso de campos magnéticos, enquanto o do professor Koo produziu trabalhos seminais na área de biofilmes orais”, detalha o pesquisador da UFC, que adaptou o sistema à escala microscópica.

Partículas de óxido de ferro, junto com água oxigenada e enzimas, produzem substâncias oxidativas capazes de matar as bactérias e iniciar o desmonte do filme que as mantém unidas e protegidas. No laboratório, essa ação se deu em meios de cultura sobre placas de Petri. Em seguida, os pesquisadores aplicaram um campo magnético que leva as partículas a se organizarem em forma de espadas, ou minúsculos rodos. Para além dessa estrutura, os robôs são “ciborgues”, nas palavras do químico. Mais especificamente, híbridos entre o óxido de ferro e resíduos de polissacarídeos do próprio filme bacteriano parcialmente desmantelado.

A forma mais simples de limpar as superfícies revestidas de bactérias com os minúsculos rodos (ver vídeo acima) é manejar essas estruturas à mão movendo um ímã forte por fora da placa experimental. “É grosseiro, mas dá muito certo.” Depois, os robôs de óxido de ferro, com bactérias e detritos aderidos a eles, são retirados usando o ímã. De maneira mais sofisticada, é possível manejar o campo magnético com um braço mecânico ou usar combinações de bobinas que permitem o controle tridimensional por intermédio de um computador.

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Brocas movida por campo magnético percorrendo o canal de um dente (Hwang et al., Sci. Robot. 4).

O grupo também produziu robôs milimétricos com moldes produzidos em impressoras 3D, em forma de dupla hélice (funciona como uma broca, ou o “tatuzão” que escava túneis de metrô) e de uma estrutura com pás, semelhante a equipamentos usados para limpeza em laboratórios de biologia. Essas brocas foram usadas no interior de dentes em laboratório, com resultados muito promissores porque conseguem recolher todas as bactérias, algo que as brocas e arames de platina habituais não conseguem.

“Quando faz um tratamento de canal, o dentista escava o interior do dente”, explica Amauri de Paula, “mas é muito difícil eliminar todas as bactérias”. Mesmo a aplicação habitual de antibiótico não é completamente eficaz, devido à resistência adquirida por algumas bactérias. O resultado pode ser uma infecção que potencialmente leva à perda do dente. Os robôs se mostraram capazes não apenas de matar os micróbios, como remover todos os seus resíduos imediatamente.

Esse é apenas um dos casos em que os robôs milimétricos podem ser úteis. O pesquisador destaca também a possibilidade de retirar filmes bacterianos de qualquer lugar de difícil acesso, como cateteres, dutos industriais e membranas de dessalinização de água. A ideia é combater infecções hospitalares, contaminação industrial e aumentar o tempo útil de materiais.

Tudo isso já poderia ser posto em ação imediatamente, de acordo com o químico do Ceará. Os dentistas e os responsáveis pelos equipamentos em hospitais ou fábricas poderiam ter recipientes com um pó composto por micro ou minirrobôs, que em suspensão seriam aplicados onde fosse necessária uma limpeza antibacteriana. Já como futurismo, ele imagina usar esse tipo de sistema em cateterismos para desobstruir artérias, entre outras aplicações em saúde. “Tem todo um desafio no desenho das partículas e no controle dos métodos que precisa ser enfrentado antes que seja possível injetar no corpo”, diz ele.

HUANG, G. et al. Catalytic antimicrobial robots for biofilm eradication. Science Robotics. v. 4, n. 29, eaaw2388. 24 abr. 2019.

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