Fóssil de mosca lança luz sobre a origem da polinização por insetos

Diógenes Henrique
Archocyrtus kovalevi se alimentado com o néctar de gimnospermas, segundo estudo publicado Gondwana Research. Crédio: Khramov et al / Dmitry Bogdanov)

Um fóssil de uma mosca com uma probóscide extremamente longa fornece novas evidências que os insetos polinizadores emergiram antes que as plantas com flores.

Equipado com uma probóscide (o órgão sugador de alguns insetos) duas vezes o comprimento do próprio corpo, o fóssil de uma mosca antecede as origens das primeiras angiospermas em cerca de 40 a 45 milhões de anos. Isso sugere que a polinização por insetos começou a evoluir em associação com antigas gimnospermas.

A divisão angiosperma (do grego, angeos, “bolsa” e sperma, “semente”) agrupa plantas terrestres vasculares que possuem sementes protegidas por um fruto, enquanto a divisão gminosperma (do grego: gymnos significa “nu” e sperma quer dizer “semente”) abrange o grupo aquelas plantas que não produzem um fruto que envolve suas sementes. Divisão é um termo técnico que significa um táxon (em latim ou táxons, aportuguesado), ou uma unidade taxonômica usada na classificação biológica dos seres vivos.

A mosca Archocyrtus kovalevi é conhecido apenas como um único fóssil de compressão encontrado nas rochas do Jurássico Superior no sul do Cazaquistão. O fóssil de compressão é aquele preservado em rocha sedimentar que foi submetida à compressão, sendo raro encontrar fósseis de animais preservados neste tipo de fóssil, contudo, é muito comum encontrar plantas. Mas a A. kovalevi estava neste tipo de fóssil, sendo estimada em cerca de 160 milhões de anos atrás.

Ele foi encontrado vez em 1996, no entanto sua descrição original não continha nenhuma foto. Não é de admirar que ninguém acreditou a princípio que esta mosca tivesse desenvolvido uma tromba de tais proporções tão cedo na linha do tempo. Apesar de não ter visto o próprio espécime, os céticos disseram que a longa estrutura próxima ao corpo da mosca não era uma probóscide genuína, mas deveria ser um pedaço de planta ou outro objeto perdido fossilizado junto ao corpo do inseto. Como resultado, o achado notável caiu no esquecimento por mais de vinte anos.

Para desenterrar a verdade sobre o fóssil enigmático, paleontólogos do Instituto Paleontológico Borissiak, em Moscou, reexaminaram o corpo petrificado da A. kovalevi usando técnicas microscópicas modernas e análise de distribuição de elementos. Isso permitiu que eles confirmassem a presença de uma probóscide longa, que tem um canal alimentar facilmente discernível e é idêntica a partes bucais de moscas atuais com probóscide longas em todos os outros aspectos. Medindo 12 mm de comprimento, as partes bucais da A. kovalevi são 1,8 vezes mais longas que o corpo. Isso significa que esta pequena mosca ocupa o primeiro lugar entre todos os insetos mesozoicos em ter a tromba mais longa em relação ao tamanho do corpo.

O registro fóssil da A. kovalevi é o mais antigo registro da família Acroceridae, ou moscas de cabeça pequena. Atualmente, existem algumas espécies de moscas de cabeça pequena com probóscide mais longas que o corpo encontrado nas Américas e na África do Sul. Os membros atuais de uma Acroceridae usam sua tromba gigante para extrair o néctar de flores tubulares longas, atuando como polinizadores no processo. O inusitado é que A. kovalevi existia na época em que nem uma única flor estava florescendo. As primeiras plantas com flores surgiram muito depois, no início do Cretáceo, e a princípio tinham pequenas flores discretas. Então, para que servia a longa tromba da A. kovalevi?

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Fóssil da Archocyrtus kovalevi, mosca acrocerídea do jurássico superior, foi reexaminado. A Archocyrtus kovalevi tem a probóscide (aparato bucal sugador dos insetos) mais longa em relação ao tamanho do corpo de todos os insetos mesozoico. A Archocyrtus kovalevi foi um provável polinizador antes do surgimento das angiospermas (Khramov et al, Gondwana Research, 2019).

“Há uma história bem conhecida sobre Charles Darwin, que notoriamente previu a existência de uma mariposa polinizadora com uma longa probóscide depois de ver o profundo néctar da orquídea de Madagascar. Temos que discutir o contrário e tirar conclusões a partir do antigo ‘nariz’ de uma mosca que vemos em uma planta que pode ser capaz de ser polinizada”, disse Alexander Khramov, autor principal do estudo e pesquisador sênior do Instituto Paleontológico de Borissiak, órgão do Instituto Paleontológico do Real Academia de Ciências Russa, um dos mais importantes centros de estudos paleontológicos do mundo.

Felizmente, os pesquisadores não precisaram ir longe demais em suas hipóteses. Dezenas de cones da planta chamada Williamsoniella karataviensis foram coletadas nos mesmos estratos da mosca. Essa planta pertence à Bennettitales, uma ordem biológica de plantas extintas do grupo das gimnospermas do Mesozóico. Muitas das plantas da ordem tinham órgãos reprodutivos vistosos e parecidos com flores, e nesse terreno os cientistas há muito suspeitavam que fossem polinizadas por insetos.

A W. karataviensis se encaixa perfeitamente nesse quadro. Tem cones bissexuais constituídos por doze brácteas semelhantes a pétalas (folhas modificadas associadas à estrutura das flores) arqueadas sobre os óvulos, os precursores das sementes. Como as atuais plantas pertencentes à ordem Gnetales, um grupo residual de gimnospermas polinizadas por insetos, inclusive moscas, óvulos de W. karataviensis poderiam ter produzido açucaradas substâncias de polinização.

A profundidade dos cones de W. karataviensis corresponde aproximadamente ao comprimento da tromba de A. kovalevi, de modo que as peças do quebra-cabeça se juntam: as moscas de cabeça pequena primeiro desenvolveram uma probóscide extremamente longa para obter acesso às secreções açucaradas escondidas no fundo dos cones das antigas gimnospermas.

É altamente provável que eles tenham trabalhado com polinização em troca da doce recompensa. Segue-se que a estreia do mutualismo entre plantas de polinização e insetos já havia sido estabelecida muito antes que as primeiras flores verdadeiras adornassem a Terra. Quando as gimnospermas do Mesozoico deixaram o palco, a família Acroceridae e provavelmente alguns outros insetos de probóscide longas ofereceram seus serviços de polinização para as plantas recém-emergidas.

Os resultados do estudo foram publicados na Gondwana Research.

Referência

  1. Alexander V. Khramov et al, A Jurassic dipteran pollinator with an extremely long proboscis, Gondwana Research (2019). DOI: 10.1016/j.gr.2019.02.004
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