O mistério intrigante da origem da massa

Rafael Coimbra
Bóson de Higgs: a simulação mostra a partícula sendo captada pelo detector CMU no Grande Colisor de Hádrons (CERN / divulgação/)

Observação: Identificado pelo CERN, o bóson de Higgs teve sua existência oficialmente anunciada para o mundo em 4 de julho de 2012. No texto a seguir iremos tratar o dilema que foi exposto sobre a definição de onde vem a massa das partículas fundamentais. Iremos tratar o impasse que teve entre a gravitação e o campo de Higgs. Portanto, trataremos o texto como se o bóson de Higgs ainda não fosse comprovado. 

A ORIGEM

Até meados da década de 1960, os cientistas acreditavam que a massa dos corpos era uma propriedade natural, e, consequentemente, não requeria uma explicação ulterior. Ou, dito de outro modo, epistemológico, não havia mecanismo nem embasamento  formal capaz de produzir uma explicação coerente e aceitável sobre a redução do conceito de massa (de todos corpos existentes) a estrutura formais mais elementares.

Com exceção do fóton, todas as partículas observadas na Natureza têm massa. Até mesmo os neutrinos já foram considerados como partículas sem massa. Mas foi possível, após uma ampla análise sobre a partícula, concluiu que os neutrinos também contém massa.

Ao longo do século 20, pudemos penetrar no mais íntimo da matéria, as partículas elementares, constituídas a partir de duas grandes famílias: os léptons e os quarks. Fez-se então uma grande economia de pensamento: não havia mais necessidade de produzir uma explicação para a origem da massa de cada corpo existente no Universo, mas apenas para o aparecimento de uns poucos elementos fundamentais – da ordem de algumas dezenas – que, segundo a física, constituem os blocos básicos com os quais qualquer corpo pode ser constituído.

Então, foi possível fazer uma indagação que nos ocupa aqui: a massa é um conceito primitivo ou é derivado de alguma propriedade mais elementar – uma subestrutura mais fundamental, uma interação ou uma essência, a partir da qual ela se define e se constitui?

Ok! Antes de tudo, devemos definir quais condições físicas deve satisfazer para que seja aceito um bom candidato a essa função ( o que gera massa). Isso simplifica bastante o desenrolar do inquérito:

  1. Ter uma interação universal (que atua sobre todos os corpos);
  2. Essa interação deve exibir explicitamente o modo como os corpos adquirem massa;
  3. Ter um parâmetro livre capaz de dar valores distintos à massa das diferentes partículas.

Para satisfazer a primeira condição, os físicos tinham duas opções: a) considerar o campo gravitacional; b) postular uma nova existência de um campo, como o agente de uma nova interação.

O MECANISMO DE HIGGS

Na base dessa proposta está a hipótese que existe uma nova interação da física, cujo grau de generalidade não se conhece e, consequentemente, deve ser postulado para preencher a primeira condição. Seu agente principal seria uma partícula que ficou conhecida como bóson de Higgs. A ela está associado um campo que se estende no espaço-tempo, o campo de Higgs.

Assim como  a gravitação constitui um processo não linear, propôs-se a hipótese de que o bóson de Higgs deveria também atuar sobre si mesmo. Graças a esta autointeração esse campo admite a a existência de um estado fundamental – o vazio – no qual sua correspondente energia constante se espalha por todo o espaço. Pois é precisamente a energia desse estado fundamental que está na base do mecanismo de geração de massa proposto por Peter Higgs. É a partir desse estado fundamental que todas as outras partículas adquirem massa, que é então a função direta do valor da energia desse estado de vazio do bóson de Higgs.
Podemos sintetizar este mecanismo de Higgs da seguinte forma: toda partícula “A” está envolta em um mar de energia que representa localmente o estado mais fundamental do vácuo de um campo escalar especial (o bóson de Higgs). Esse envoltório é interpretado como a massa de “A”.

QUEM DÁ MASSA A QUEM ÀQUELE QUE CONCEDE MASSA? 

Como consequência desse processo, uma característica desagradável aparece e produz uma dificuldade formal ainda não resolvido. Além da hipótese de um processo de autointeração, deve-se aceitar que ele também possui massa.
Sem essa massa, aquele estado fundamental não poderia ser atingindo, inibindo que se forme a configuração  necessária para prover massa aos outros corpos. Isso por que a existência do vazio estável depende precisamente de uma combinação especial de valores que conectam a massa do bóson de Higgs e os valores associado à sua autointeração. Surge então a questão: qual a origem da massa do bóson de Higgs?
Ou, de modo semelhante à nossa pergunta inicial: quem dá massa ao bóson de Higgs?
Uma indagação como essa não se aplica à gravitação, uma força de longo alcance. Ou seja, no mecanismo gravitacional, não existe essa dificuldade de princípio.

EM CENA A GRAVITAÇÃO 

Na versão de einstein, a inércia total de um corpo massivo, por menor que seja, nada mais é do que o efeito da presença de todas as massas existentes. Ou, de outro modo, a massa de um corpo “A” nada mais é que o resultado da ação sobre “A” de toda a energia existente no Universo, isto é, da ação do resto-do-universo.

De um lado, temos o mecanismo de Higgs, a ideia de redução da influência do Universo sobre suas partes; de outro lado, o mecanismo gravitacional, a interconexão entre o local e o global, a ação do Universo sobre suas partes.

Apesar do grande sucesso da teoria da relatividade geral de Einstein elaborou, ela não teve igual sucesso na produção de uma fórmula para massa. Ela não havia criado, até muito recentemente, uma versão quantitativa capaz de exibir essa dependência global da massa em relação à gravitação.

Com essas alegações, obtemos algumas propriedades essenciais a saber:

  1. Na fórmula  de massa obtida pelo mecanismo gravitacional não aparece a constante de Newton. Ou seja, esse mecanismo independe do valor dessa constante
  2. O mecanismo gravitacional independe da propriedade específica do campo gravitacional

Há duas propriedades importantes aqui: o modo como os corpos reagem a um campo gravitacional  e a ação da energia do resto-do-universo sobre os corpos. Podemos descrevê-los resumidamente assim: a) a interação gravitacional de Einstein substitui o o modo tradicional newtoniano de tratar a ação de uma força sobre um corpo, pela modificação da estrutura métrica do espaço-tempo. Pois bem, de acordo com essa interpretação, o mecanismo que estamos descrevendo baseia-se numa forma de dependência dessa interação onde quem desempenha o papel mais importante é a curvatura do espaço-tempo; b) ao aceitarmos a ideia de que as propriedades inerciais de um corpo “A” são determinadas pela distribuição de energia de todos os outros corpos do Universo, uma questão aparece de imediato: como descrever este estado universal que é capaz de levar em conta a contribuição do resto-do-universo sobre “A”?

É aqui que se insere a interconexão entre mundos clássico e quântico, pois esse estado do resto-do-universo pode ser descrito como o estado fundamental da matéria, o estado do vazio. Isto é, tudo se passa como se houvesse uma constante cosmológica  – e que o corpo “A” se visse mergulhado em um mar de energia constante, distribuída homogeneamente em todo espaço-tempo.

Podemos, então, sintetizar esse mecanismo assim: pelo mecanismo gravitacional, toda partícula “A” está envolta em um mar de energia que representa localmente o estado mais fundamental do vácuo de todo o Universo. Este envoltório é interpretado como a massa de “A”. Talvez seja relevante enfatizar aqui que a massa ocorre como um processo que relaciona “A”ao resto-do-universo. A gravitação nada mais é que o agente catalisador desse processo. Dessa forma podemos entender o fato de que a gravitação, embora seja força mais fraca, esteja na origem da geração de massa.

Os dois mecanismo de gerar massa apresentado baseiam-se numa mesma estrutura fundamental: um estado do vazio descrito por uma distribuição de energia constante em todo o espaço. A massa aparece como uma resposta individual de casa corpo a esse estado, de excitação fundamental, esse mar de energia invisível, mas mensurável, que – para os aspectos que importa aqui – pode ser identificado ou com uma constante cosmológica ou um vácuo quântico.

A principal distinção entre elas está na origem desse estado. O cenário de Higgs requer a presença de um novo campo, uma nova partícula, com propriedade especiais como uma massa e um processo de autointeração relacionados por valores bem específicos. O cenário gravitacional, como apresentado, tem várias vantagens sobre o de Higgs, pois não há nenhuma dúvida sobre a universalidade da gravitação, bem como a existência de um campo gravitacional.
Em resumo, a massa de todos os corpos  aparece a partir de um estado do vazio fundamental. O modo pelo qual essa massa concedida ao corpo depende apenas da interação gravitacional.

Referências

Scientific American (ano 10; n°110 / pg. 37 – 41)

 

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