Teste sanguíneo promete detectar oito tipos de câncer

Victor Hugo

Futuramente será possível detectar uma variedade de tipos de câncer com apenas um simples exame de sangue. É o que os resultados de um estudo preliminar sugerem.

Nos últimos anos muitos testes experimentais chamados de biópsias líquidas têm mantido a promessa de detectar e rastrear tumores a partir de uma simples amostra de sangue. Muitos desses testes são projetados para detectar um único tipo de câncer ao localizar mutações associadas a tumores em sequências de DNA encontradas flutuando livremente no sangue.

Porém, o mais recente estudo sobre essa técnica, publicado em 18 de janeiro na Science, se difere dos demais porque testa não apenas essas mutações de DNA, mas também avalia níveis anormais de certas proteínas, em um esforço para detectar oito tipos diferentes de câncer. O teste foi eficaz em cerca de 70% das mais de mil pessoas previamente diagnosticadas com câncer.

Os pesquisadores acreditam que esse conhecimento possa ajudar no desenvolvimento de testes mais simples e baratos do que todo o processo de sequenciamento envolvido em algumas outras metodologias de biópsias líquidas. “Eles apresentam desempenho semelhante a outras abordagens, mas, aparentemente, se mostra ser um método muito mais econômico”, diz Nitzan Rosenfeld, pesquisadora de câncer da Universidade de Cambridge, no Reino Unido.

Agulha num palheiro

Academia e indústria se concentraram no uso de biópsias líquidas para rastrear a progressão do câncer e orientar os médicos para a formulação do tratamento.

Mas o oncologista Nickolas Papadopoulos, do Johns Hopkins Kimmel Cancer Center, em Baltimore – EUA, e seus colegas queriam desenvolver um teste que pudesse detectar o câncer nos estágios iniciais, quando eles são mais fáceis de tratar.

Tais testes são particularmente desafiadores: pequenos tumores geralmente não liberam tanto DNA na corrente sanguínea como tumores maiores. Além disso, os falsos positivos são uma preocupação para testes que se destinam a ser administrados a grandes populações de indivíduos saudáveis – um resultado incorreto pode causar estresse indevido e levar a tratamentos desnecessários e potencialmente prejudiciais.

Os pesquisadores procuraram maneiras de tornar sua biópsia líquida mais sensível sem aumentar o risco de um resultado falso positivo. O teste que eles desenvolveram – apelidado de CancerSEEK – examina os níveis de oito proteínas e a presença de mutações em 16 genes.

A equipe testou a metodologia em pessoas que já haviam sido diagnosticadas com um desses oito tipos de câncer: ovário, fígado, estômago, pâncreas, esôfago, colorretal, pulmão ou mama, e excluíram indivíduos cujo câncer se espalhou para outras partes do corpo, para que eles pudessem se concentrar nos estágios iniciais da doença.

A eficácia do CancerSEEK variou amplamente dependendo do câncer: detectou 98% dos cânceres de ovário, mas apenas 33% dos casos de câncer de mama. Foi capaz de identificar o órgão em que a doença se enraizou em cerca de 63% dos pacientes. O teste apresentou melhor desempenho nos estágios mais avançados do que nos estágios iniciais, encontrando 78% da doença do estágio III contra apenas 43% dos tumores do estágio I. 

(A) Cuva ROC da performance do CancerSEEK. O ponto vermelho na curva mostra a média de performance do teste (62%) com uma especificidade acima de 99%. (B) Sensibilidade do CancerSEEK por estágio da doença. (C) Sensibilidade do CancerSEEK por tipo de câncer.
(A) Cuva ROC da performance do CancerSEEK. O ponto vermelho na curva mostra a média de performance do teste (62%) com uma especificidade acima de 99%. (B) Sensibilidade do CancerSEEK por estágio da doença. (C) Sensibilidade do CancerSEEK por tipo de câncer.

Focando na sensibilidade

Mesmo assim, esses números são suficientemente altos para justificar novos estudos, diz Rosenfeld, que também é diretor científico da empresa Inivata de biópsia líquida, em Cambridge. “Mesmo que você capture apenas metade dos cânceres, isso é ótimo.” O que não é claro, no entanto, é se o CancerSEEK é capaz de detectar câncers não diagnosticados, acrescenta Rosenfeld.

Outra preocupação é se a taxa de falsos positivos pode ser maior na população em geral, diz Catherine Alix-Panabières, pesquisadora de câncer da Universidade de Montpellier, na França. Algumas pessoas aparentemente saudáveis podem abrigar doenças inflamatórias que alteram os níveis das proteínas visadas pelo teste, diz ela.

Pode levar anos para resolver essas preocupações. Mas os pesquisadores já iniciaram um estudo que testará o CancerSEEK em pelo menos 10 mil indivíduos saudáveis, diz Papadopoulos, que serviu como conselheiro de uma empresa de biópsia líquida chamada Personal Genome Diagnostics, em Baltimore. Os pesquisadores planejam acompanhar esses participantes por cinco anos.

Enquanto isso, a expectativa é de ver outras equipes refinarem suas biópsias líquidas, combinando sequenciamento de DNA com outras análises de sangue, diz Alberto Bardelli, pesquisador de câncer no Candiolo Cancer Institute, em Turim, Itália. “Este artigo é provocativo”, diz ele. “Ele aponta para o fato de que devemos parar de olhar para uma pequena parte do todo. Em vez disso, precisamos ver todas as fontes de informação no sangue.”

Traduzido de: Nature

Referência: Cohen, J. D. et al. Detection and localization of surgically resectable cancers with a multi-analyte blood test. Science 2018. http://dx.doi.org/10.1126/science.aar3247 (2018)

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