O primeiro peixe a caminhar pode nunca ter deixado os oceanos

Diógenes Henrique
Leucoraja erinacea recém-nascido caminhando, filmado por baixo. Crédito: Jung, Baek, Dasen et al./Cell

Desenhos animados que ilustram a evolução descrevem os primeiros vertebrados adquirindo seus membros primordiais enquanto se deslocam para terra firme pela primeira vez à medida em que deixam seu ambiente aquático. Mas novas descobertas indicam que algumas dessas primeiras criaturas capaz de andar podem ter ficado mesmo debaixo de água, deixando descendentes que hoje apresentam comportamento ambulante no fundo do oceano. Os resultados foram publicados em 8 de fevereiro no periódico científico Cell.

“Geralmente, pensa-se que a capacidade de caminhar é algo que evoluiu à medida que os vertebrados passaram do mar para a terra”, diz o autor principal Jeremy Dasen, neurobiólogo do desenvolvimento no Departamento de Neurociências e Fisiologia da Faculdade de Medicina de Universidade de Nova York. “Ficamos surpresos ao saber que certas espécies de peixes também podem caminhar. Além disso, eles usam um programa de desenvolvimento neural e genético que é quase idêntico ao usado por vertebrados superiores, usado inclusive por humanos”.

Os pesquisadores se concentraram no desenvolvimento neural de um tipo de peixe chamado popularmente de little skate (Leucoraja erinacea). Relacionados a tubarões e arraias, esses peixes cartilaginosos são considerados entre os vertebrados mais primitivos, tendo mudado pouco de seus antepassados que viveram há centenas de milhões de anos.

Os Leucoraja erinacea têm dois conjuntos de barbatanas: grandes barbatanas peitorais, que eles usam para nadar e barbatanas pélvicas menores, que eles usam para caminhar ao longo do fundo do oceano. Pesquisas anteriores mostraram que esses peixes usam movimentos alternados, esquerdo-direito, quando andam, semelhantes aos movimentos usados por animais que caminham em terra, tornando-os um modelo valioso para estudos.

Vista dorsal de um little skate (Leucoraja erinacea).
Vista dorsal de um little skate (Leucoraja erinacea).

O vídeo resumo a seguir (em inglês) descreve como estudando circuitos neurais em little skates, uma espécie de peixe cujo ancestral comum com tetrápodes existiu a aproximadamente 420 milhões de anos atrás, Dasen e colegas fornecem informações sobre as origens antigas do caminhar. Crédito: Dasen et al./Cell

Os investigadores usaram uma tecnologia chamada sequenciamento de RNA (RNA-seq) para avaliar o repertório de genes que são expressos nos neurônios motores do peixinho. Eles descobriram que muitos desses genes são conservados entre os Leucoraja erinacea e mamíferos. Além disso, eles descobriram que os subtipos neuronais que são essenciais para o controle dos músculos que regulam a flexão e a distensão dos membros estão presentes nos neurônios motores do peixe do estudo. “Essas descobertas sugerem [que] o programa genético que determina a capacidade dos nervos na medula espinhal de articular os músculos realmente se originaram milhões de anos antes do que nós assumimos que eles apareceram”, diz Dasen. “Este movimento baseado em aletas e os movimentos de caminhada compartilham o mesmo programa de desenvolvimento”.

A descoberta foi além dos nervos que controlam os músculos. Os pesquisadores também analisaram um nível mais alto de circuitos: os interneurônios, que se conectam aos neurônios motores e permitem ativar os músculos. Os interneurônios se reúnem em circuitos chamados geradores de padrões centrais (CPGs, sigla para central pattern generators). Esses circuitos CPGs determinam a sequência em que diferentes músculos são ativados, controlando assim a locomoção. “Descobrimos que os interneurônios, quase uma dúzia de tipos, também são altamente conservados entre little skates e mamíferos terrestres”, diz Dasen.

Segundo o comunicado da pesquisa, equipe de Dasen planeja ainda pesquisar mais os Leucoraja erinacea para entender como os neurônios motores se conectam com outros tipos de neurônios e como eles são regulados. “É difícil estudar os circuitos que controlam a caminhada em organismos superiores como camundongos ou pintinhos porque há tantos músculos a mais e muitos outros tipos de neurônios que facilitam esse comportamento”, diz ele. “Nós pensamos que esta espécie servirá como um sistema modelo útil para continuar a entender os nervos que controlam a caminhada e como eles se desenvolvem”.

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