O Big Bang não existiu: é o que a pesquisa de um físico brasileiro diz

SoCientífica
Físico brasileiro propõe eliminar necessidade de singularidade cosmológica no espaço-tempo e aponta que fase de expansão atual foi precedida por uma de contração. Artigo foi publicado na General Relativity and Gravitation.

“Para mim, o Big Bang não existiu”, disse o físico paulista Juliano César Silva Neves, do Instituto de Matemática, Estatística e Computação Científica da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

Muito embora a teoria do Big Bang seja, nas últimas cinco décadas, o conjunto de ideias mais conhecido – e mais aceito – para explicar o início e a evolução do Universo, ainda assim não é exatamente consenso entre os cientistas, segundo Neves, que faz parte de um grupo de pesquisadores que ousa imaginar uma origem diferente.

Em trabalho recente publicado na revista General Relativity and Gravitation, Neves sugere a eliminação de um aspecto fundamental do modelo padrão cosmológico: a necessidade da existência de uma singularidade cosmológica no início dos tempos também conhecida como Big Bang.

Ao levantar tal eventualidade, Neves desafia a ideia de início dos tempos e reinsere no cenário cosmológico a possibilidade de que a fase de expansão atual foi precedida por uma fase de contração.

Segundo Neves, a fase de expansão acelerada não exclui a possibilidade de esta ter sido precedida por uma fase de contração do espaço-tempo. E postula a chance de que, talvez, a mudança de uma fase de contração para outra de expansão não tenha destruído todo e qualquer vestígio da fase anterior.

“Quem sabe não existam vestígios de buracos negros na atual fase de expansão que datam da fase de contração anterior e que passaram incólumes pelo gargalo do ricochete?”, disse à Agência FAPESP.

É justamente nos buracos negros que Neves situa o ponto de partida de suas investigações a respeito do que chama “Universo com ricochete”, de contração seguida por expansão.

“A inspiração do Universo com ricochete veio de um truque matemático para evitar a formação de singularidades em um buraco negro. Há duas formas de singularidade no Universo. Uma foi a suposta singularidade cosmológica ou o Big Bang e a outra se esconde atrás do horizonte de eventos dos buracos negros”, disse.

Buracos negros são os objetos cósmicos mais misteriosos. São formados pelo núcleo implodido que restou da explosão de uma estrela gigante. Esse núcleo se contraiu até formar uma singularidade, um ponto de densidade infinita, cuja atração gravitacional é a maior que se conhece. Dela nada escapa, nem mesmo a luz.

As singularidades se encontram no centro dos buracos negros, escondidas atrás do horizonte de eventos, uma membrana que indica o ponto de não retorno a partir do qual nada escapa ao destino inexorável de ser engolido e destruído pela singularidade.

“Mas nem todos os buracos negros precisam ter singularidades em seu interior, pelo menos não em tese. No interior dos chamados buracos negros regulares não há singularidade”, disse Neves.

Em 1968, o físico norte-americano James Bardeen usou um truque matemático para modificar a solução das equações da Relatividade Geral que descrevem os buracos negros.

O artifício consistiu em considerar a massa do buraco negro não mais uma constante, como ocorria até então, mas como uma função que depende da distância até o centro do buraco negro. Feita esta modificação, da solução das equações emergiu um buraco negro diferente, chamado regular.

“O que define um buraco negro não é a singularidade, mas sim o horizonte de eventos. Fora do horizonte de eventos de um buraco negro regular não há grandes mudanças, mas em seu interior as alterações são profundas. Há um espaço-tempo diferente que evita a formação da singularidade. Buracos negros regulares são permitidos, pois não violam a Relatividade Geral. O conceito não é novo e vem sendo bastante retomado nas últimas décadas”, disse Neves.

Se a inserção de um truque matemático nas equações da Relatividade Geral impede a formação de singularidades nos buracos negros regulares, seria possível criar um artifício similar para eliminar a singularidade em um ricochete regular?

“Para medir a taxa de expansão do Universo, usa-se na cosmologia padrão, aquela em que há um Big Bang, uma função matemática que depende apenas do tempo cosmológico”, disse Neves.

Aí entra o truque matemático. Neves e seu supervisor de pós-doutorado, Alberto Vazques Saa, professor titular do Instituto de Matemática, Estatística e Computação Científica da Unicamp, introduziram nas soluções das equações da Relatividade Geral que descrevem a geometria do cosmo um “fator de escala” que faz com que a taxa de expansão do Universo não dependa só do tempo, mas também da escala cosmológica.

Essa é a proposta apresentada no trabalho agora publicado, feito no âmbito do Projeto Temático “Física e geometria do espaço-tempo”, coordenado por Saa. O pós-doutoramento de Neves contou com Bolsa da FAPESP..

Vestígios da contração

Quais são as consequências do truque matemático do fator de escala? A singularidade cosmológica ou o Big Bang deixa de existir. Ela deixa de ser uma condição necessária para o cosmo iniciar a expansão universal.

“A eliminação da singularidade ou Big Bang recoloca o Universo com ricochete no cenário teórico da Cosmologia. A inexistência de uma singularidade no início dos tempos abre a possibilidade de que vestígios de uma fase de contração anterior possam ter resistido à mudança de fase e permaneçam na fase atual de expansão do Universo”, disse Neves.

“Será que o Universo teve um início, ou não? Será que dentro de um buraco negro um mundo acaba? Hoje sabemos que a Teoria da Relatividade Geral permite, pelo menos em tese, uma cosmologia não singular, sem o Big Bang”, disse.

Na ciência moderna, por mais bela e inspiradora que seja uma teoria, ela de nada vale se não puder ser verificada. Como testar a hipótese de um Big Bang que não partiu de uma singularidade?

“Buscando vestígios de eventos da fase de contração que poderiam permanecer na fase atual, de expansão. Quais? Candidatos são vestígios de buracos negros de uma fase anterior de contração universal e que possam ter sobrevivido ao ricochete”, disse Neves.

Big Bang

A teoria do Big Bang começou a ser formulada no fim dos anos 1920, quando o astrônomo norte-americano Edwin Hubble descobriu que quase todas as galáxias estão se afastando umas das outras a velocidades crescentes.

Isso implicaria que, no passado distante, elas estiveram bem mais próximas. Há, mais precisamente, 13,8 bilhões de anos, toda a matéria e a energia do Universo estavam comprimidas em um estado inicial de densidade e temperatura infinitas, um lugar onde as leis tradicionais da Física não mais se aplicam.

Para definir tal estado, os cosmologistas emprestaram da matemática um conceito de indefinição chamado “singularidade”. No caso, havia uma singularidade cosmológica primordial que começou a se expandir há 13,8 bilhões de anos. Deu-se o nome à singularidade inicial de Big Bang. As centenas de bilhões de galáxias do cosmo vieram a se formar a partir da matéria e da energia expelidas por aquela explosão inicial.

Pautados na Teoria da Relatividade Geral de Einstein, utilizada para explicar os fenômenos do cosmo, a partir dos anos 1940 os cientistas começaram a construir um modelo detalhado de como teria se processado a evolução do Universo desde o Big Bang. Tal modelo partia do pressuposto de que a expansão iria ou não eventualmente desacelerar, freada pela atração gravitacional da própria massa do Universo.

A partir deste ponto, abriria-se espaço para três possibilidades: a expansão do Universo poderia acelerar infinitamente, sem nunca de fato cessar; a expansão poderia parar por completo e assim permanecer indefinidamente; ou a expansão poderia acabar e, eventualmente, dar lugar a um processo inverso à expansão, um movimento de retração no qual as galáxias passariam a se aproximar umas das outras a velocidades crescentes até se amalgamar em um futuro, no chamado Big Crunch, ou Grande Contração.

Fosse este o caso, quando a matéria e a energia do Big Crunch atingissem temperatura e densidade extremas, o processo talvez pudesse vir a sofrer nova inversão, passando a se expandir em um outro ricochete, produzindo um novo ciclo no Universo. E assim sucessivamente.

“A esta imagem de uma sucessão eterna de universos que alternam fases de expansão e contração deu-se o nome de Universo cíclico, que deriva das cosmologias com ricochete”, disse Neves.

O artigo Bouncing cosmology inspired by regular black holes, de J. C. S. Neves, pode ser lido em: https://doi.org/10.1007/s10714-017-2288-6.

De Peter Moon para a Agência FAPESP.

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