Pela primeira vez, uma mulher na China foi congelada em criogenia

Diógenes Henrique

A criogenia é a prática de congelar os corpos recentemente falecidos (ou mesmo apenas o cérebro daqueles que morreram recentemente) com a esperança de um dia revivê-los. Ela tem sido objeto de uma séria exploração científica e estudo — bem como uma parcela justa da lendas e mitos. A ficção, como em Iceman de Batman e rumores, com os (falsos) de que Walt Disney teria sido congelado criogênicamente, lançaram uma sombra especulativa sobre o campo da criogenia.

Mas recentemente, pela primeira vez na China, o corpo de uma mulher foi criogênicamente congelado. Zhan Wenlian morreu aos 49 anos de câncer de pulmão e seu marido, Gui Junmin, “ofereceu-se” para o procedimento criônico. Tanto ele quanto a sua falecida esposa queriam doar seu corpo para a ciência para “retrubir à sociedade”. Ele disse ao The Mirror UK que ele inicialmente “lançou” a ideia de criogenia, sendo descrito como um “projeto de preservação da vida”.

Este procedimento — que tem o corpo de Wenlian descansando mergulhado em 2.000 litros de nitrogênio líquido — foi concluído no Yinfeng Biological Group em Jinan. Este projeto é o esforço colaborativo do Yinfeng Biological Group, Qilu Hospital Shandong University e consultores da Alcor Life Extension Foundation, uma empresa de criogenia sem fins lucrativos baseada nos Estados Unidos.

Mesmo com toda a fé que muitos têm no procedimento, a questão permanece: quão cientificamente possível é um projeto como este? Esse é só um experimento que nos permite entender melhor a biologia humana? Ou a criogenia pode um dia tornar-se viável?

O corpo de Zhan submeteu-se ao processo de criogenia depois de um procedimento inicial logo após a morte. Crédito de Imagem: AsiaWire
O corpo de Zhan submeteu-se ao processo de criogenia depois de um procedimento inicial logo após a morte. Imagem: AsiaWire

O futuro da morte

A criogenia tem tudo a ver com cronometragem. Os corpos são congelados criogênicamente imediatamente após o coração parar de bater. “Congelar” é um termo bastante enganador, porque o procedimento criônico se trata de exatamente, mais especificamente, tentar evitar a formação de cristais de gelo — os quais danificam as células dos tecidos do corpo. Resfriamento rápido, em vez de congelamento, é uma descrição mais precisa do processo.

Um coquetel químico de conservantes como glicerol e propandiol, além de agentes anticongelantes, são comumente usados para obter o corpo em um estado estável no qual não será decomposto e também não sofrerá danos por ser armazenado a baixas temperaturas, E, possivelmente, por muito tempo.

A partir daí, os corpos recebem cuidados específicos que atende a ideia de que a morte é um processo contínuo; um processo que pode ser revertido. O objetivo da preservação criogênica é o de um dia ser capaz de descongelar os corpos e reanimá-los em um nível celular — de preferência sem muitas mudanças epigenéticas.

“Eu tenho a tendência de acreditar em tecnologias novas e emergentes, então eu acho que será completamente possível revivê-la”.

Gui Junmin, esposo de Zhan Wenlian, que doou o corpo da esposa falecida para a utilização com a técnica da criogenia.

Com o nosso conhecimento e tecnologia atuais, esse processo de reverter a morte assim completamente não é possível. O tipo mais próximo de reavivamento que temos são os momentos após a morte clínica em que os pacientes são revividos por algo como a desfibrilação cardíaca.

A criogênia atua dentro deste período crítico e breve — mas funciona na crença de que a morte é uma área cinzenta. É muito mais um processo do que de um evento definitivo, final, segundo essa crença. Só porque não conseguimos reviver os mortos, não significa que o campo da criogenia seja desnecessário ou sem importância. Este caso na China é um passo em frente para todos pesquisando o campo da criogenia — e aqueles de nós que esperamos beneficiar dos avanços dela.

Talvez não possamos reverter a morte ainda, mas não parece fora do domínio da possibilidade se imaginar que, com mais avanços científicos a caminho, a tecnologia possa permitir que essa reversão fosse possível. Se isso for ou não possível em nosso curto tempo de vida, esse desenvolvimento mais recente certamente é interessante.

A criopreservação

A criopreservação é o processo de congelamento de órgãos e tecidos a temperaturas muito baixas para preservá-los. Embora pareça simples em teoria, apenas um punhado de células e tecidos sobreviveram a este método. Isso ocorre porque, embora a ciência tenha desenvolvido com sucesso maneiras de resfriar os órgãos às temperaturas muito baixas necessárias para a preservação, descongelá-los provou ser muito mais difícil. À medida que o espécime descongela, forma cristais de gelo, que podem danificar o tecido e tornar os órgãos inutilizáveis.

Neste momento, o processo é apenas uma opção viável para pequenas amostras, como esperma ou embriões. Os esforços anteriores usando técnicas de aquecimento lento provaram ser eficazes em amostras desse tamanho, mas não funcionaram para amostras de tecido maiores, como órgãos humanos inteiros. A incapacidade de descongelar com segurança o tecido também impede o conceito teórico de preservar criogênicamente corpos humanos inteiros, com a intenção de reanimá-los mais tarde. O conceito tem raízes na tecnologia criogênica, mas é realmente chamado de “criônica”, e a comunidade científica geralmente considera que é mais ficção científica do que a ciência — pelo menos por enquanto.

Um estudo do início deste ano fez um avanço significativo, que pode muito bem começar a fechar essa lacuna ainda mais. Usando uma nova técnica, os cientistas conseguiram criopreservar amostras humanas e de porclos, então reaquecê-las com sucesso sem causar danos ao tecido.

A criopreservação é o processo de congelamento de material biológico em temperaturas extremas; mais comum a -196 °C (ou -321 °F) em nitrogênio líquido (N2). Nessas baixas temperaturas, toda atividade biológica para, incluindo as reações bioquímicas que levam à morte celular e à degradação do DNA. Este método de preservação em teoria permite armazenar células vivas inalteradas durante séculos.

Como o pesquisador principal John Bischof da Universidade de Minnesota observou à ocasião da divulgação do estudo mais cedo este ano:

Esta é a primeira vez que alguém conseguiu escalar um sistema biológico maior e demonstrar um aquecimento exitoso, rápido e uniforme de centenas de graus Celsius por minuto de tecido preservado sem danificar o tecido”.

Ao usar nanopartículas para aquecer os tecidos a uma taxa constante, os cientistas conseguiram prevenir a formação dos cristais de gelo destrutivos. Os pesquisadores misturaram nanopartículas de óxido de ferro revestidas com sílica em uma solução e aplicaram um campo magnético externo para gerar calor. O processo foi testado em várias amostras de tecido humano e de porcos, e mostrou que o “nanoaquecimento” atinge a mesma velocidade de descongelamento que o uso de técnicas tradicionais de convecção.

Preservando órgãos e salvando vidas

Uma aplicação teórica para esta descoberta seria, naturalmente, trazer técnicas criogênicas de extensão de vida para fora do domínio da ficção científica. Mas ainda não chegamos lá.

Uma aplicação mais prática para a técnica seria preservar e armazenar os órgãos por períodos prolongados, melhorando assim os desafios logísticos por trás do transplante de órgãos.

De acordo com estatísticas da United Network for Organ Sharing, 22 pessoas morrem todos os dias nos Estados Unidos enquanto esperam transplantes de órgãos. Ao contrário da crença popular, isso não se deve porque há uma escassez de órgãos sendo doados naquele país — e sim porque os órgãos não podem ser preservados por mais do que algumas horas. Assim, enquanto existem órgãos disponíveis prontos para ser transplantados, o tempo necessário para encontrar um destinatário correspondente e transportar o órgão de forma segura na localização do receptor compatível, muitas vezes excede a janela de tempo em que o órgão permanece viável para o transplante.

Mais da metade dos corações e pulmões doados são lançados fora todos os anos porque não chegam a tempo aos pacientes. Eles só podem ser mantidos no gelo durante quatro horas e, enquanto alguns órgãos podem durar mais tempo do que outros sem um fornecimento de sangue durante o transporte, isso ainda não é suficiente em muitos casos.

“Se apenas metade desses órgãos descartados fossem transplantados, estima-se que as listas de espera desses órgãos poderiam ser extintas dentro de dois a três anos”, acrescenta Bischof. Com a ajuda da tecnologia de criopreservação, podemos estar no caminho certo para manter os órgãos doados viáveis por mais tempo — o que significa que eles podem ser transportados para pacientes que precisam deles, mesmo que a distância e o tempo entre órgão doado e receptor existam.

Compartilhar