Hipátia de Alexandria: uma matemática contra a intolerância

Pedro Noah

Os antigos sábios, como no caso dos gregos, eram pensadores com um amplo espectro; uma única pessoa poderia ser médica, matemática, astrônoma e filósofa. Isso parece impossível hoje, com o crescente grau de especialização e os esforços necessários para ser especialista em um campo particular.

No caso de Hipátia de Alexandria (séculos IV e V) realizou trabalhos científicos importantes em campos como a matemática e a astronomia. A história vem mostrando as habilidades das mulheres na ciência e como elas não têm desvantagem intelectual em relação aos homens. A diferença de gênero é simplesmente uma questão de papéis sociais atribuídos durante séculos a um ou ao outro gênero.

Hipátia foi muito influenciada intelectualmente por seu pai Theon, um filósofo e matemático grego que foi o último diretor do Museu de Alexandria. Seu pai lhe deu uma educação liberal, tanto que hoje, Hipátia é conhecida como uma lendária livre-pensadora que se opôs à intolerância.

Hipátia era uma mulher livre. Educada na escola neoplatônica também foi líder das crenças neoplatônicas em Alexandria. Ela nunca se casou, apesar de sua beleza e eloquência, dedicou sua vida ao trabalho científico.

Sua pesquisa foi refletida em numerosos manuscritos, como “Comentários sobre a aritmética de Diofanto”. Diofanto de Alexandria foi um matemático grego que viveu durante o terceiro século e foi considerado o pai da álgebra e aritmética, cujo trabalho se concentrou em equações algébricas e na teoria dos números. A palavra “Equações Diofantinas” vem de seu nome. Foi numa edição deste livro de Diofanto onde Pierre de Fermat escreveu sua famosa frase:

“É impossível separar um cubo em dois cubos, ou uma quarta potência em duas quartas potências, ou em geral, qualquer poder superior ao segundo, em duas potências semelhantes. Descobri uma prova verdadeiramente maravilhosa disso, que esta margem é demasiado estreita.”

Outra de suas contribuições foi o lançamento de “Elementos de Euclides”, com comentários de seu pai, Theon, que era especialista em trabalhos euclidiano. “Elementos de Euclides” é o livro com mais edições, depois da Bíblia, e inclui um tratado completo sobre a geometria.

Ela também reescreveu um tratado sobre a “Cônica” de Apolônio. Suas reinterpretações simplificaram os conceitos de Apolônio, usando uma linguagem mais acessível, tornando-o em um manual fácil de ser seguido pelo leitor interessado.

Infelizmente, muitas das contribuições de Hipátia foram perdidas. Graças a sua correspondência com seu aluno Sinesio de Cirene (mais tarde Bispo de Ptolemais, uma antiga capital da província romana de Cirenaica), conhecemos muitas de suas outras contribuições. Sinesio de Cirene compartilhou um gosto pela matemática e astronomia com sua tutora, mas tomou outra direção, tornando-se filósofo e bispo. Sinesio registrou a singularidade de Hipátia como intelectual. Ele afirma sua autoria na construção de um astrolábio, um hidrômetro e um higroscópico.

Um astrolábio é um instrumento construído para determinar o posicionamento das estrelas no céu e serviu de guia para marinheiros, engenheiros e arquitetos para determinar distâncias por triangulação. Um fato curioso é o uso deste instrumento por marinheiros muçulmanos, com o qual foram guiados para determinar a posição da cidade de Meca, para que pudessem orar.

Hipátia também se destacou por suas habilidades como palestrante e por ser uma seguidora do neo-pitagorismo e neo-platonismo. Ela se tornou uma eminente professora de matemática, dando aulas em sua casa a um grupo de aristocratas pagãos e cristãos. Sua inteligência a levou ao cargo de conselheira de Orestes, prefeito do Império Romano do Oriente, e também seu ex-aluno.

A natureza especial de Hipátia, tratando todos os seus alunos igualmente, sendo educada, tolerante e racional, desencadeou uma série de ciúmes que resultaram inimizades. Como pagã, defensora do racionalismo científico grego e de uma figura política influente, Hipátia sofreu uma intensa hostilidade por parte de Dom Cyril (um fanático cristão, bispo de Alexandria) e Orestes. As acusações contra ela de blasfêmia e sentimentos anti-cristão, simplesmente porque ela se recusou a trair seus ideais e abandonar o paganismo, levou à uma emboscada criada por Cyril, que a arrastou para o meio do povo, onde foi brutalmente assassinada.

Morte da filósofa Hipátia, Alexandria, 1866, por Louis Figuier.
Morte da filósofa Hipátia, Alexandria, 1866, por Louis Figuier.

No entanto, Hipátia nunca proclamou sua aversão ao cristianismo. Simplesmente, com sua natureza liberal, ela aceitou todos os alunos, independentemente de suas crenças religiosas.

Hipátia tinha uma vida interessante. A vida de uma mulher forte, lutando por seus ideais e, onde ela estudou ciências, durante muito tempo as mulheres tiveram o acesso negado ao conhecimento. Ela é retratada desta forma no filme “Ágora”, dirigido por Alejandro Amenábar em 2009, onde Hipátia aparece ocupada com “Elementos de Euclides”, “Cônicas” de Apolônio e no sistema heliocêntrico de Aristarco de Samos. Além disso, ela é apresentada como professora de astronomia, em uma aula onde levantava as perguntas: Por que as estrelas caem? Por que elas só girarm de oeste para leste? Por que, em vez disso, um lenço cai no chão na terra? Os alunos respondem e Hipátia analisa suas respostas e explica a partir de uma visão ptolomaica: “Estrelas não caem porque elas estão em um círculo. Elas caem na terra porque é o centro do universo “.

Manual de Leon (CSIC, fundador da ICMAT, Real Academia de Ciências, Real Academia Canaria de Ciências, ICSU) e Cristina Sardon (ICMAT-CSIC).

Texto traduzido daqui. Confira o texto original aqui.

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