É matematicamente impossível atingir o zero absoluto, segundo físicos

Diógenes Henrique

Após um século, físicos demonstram que é matematicamente impossível atingir o zero absoluto, de acordo com os resultados de uma pesquisa conduzida por  L. Masanes e J. Oppenheim, da Universidade College London, publicados em um artigo recente no periódico científico Nature Communications.

As leis da termodinâmica, uma pedra angular da física moderna, ajudam a explicar como as quantidades físicas atuam sob certas condições e em certas circunstâncias. Essas leis foram contestadas e testadas, agora é a vez da Terceira Lei, que foi desenvolvida pelo químico Walther Nernst.

Entre 1906-12, Walther Nernst propôs que esfriar um objeto até o zero absoluto é impossível — com uma quantidade finita de recursos e de tempo. Primeiramente, Nerst formulou o “teorema do calor” (nome dado por ele à Terceira Lei da Termodinâmica), que lhe valeu o Prêmio Nobel de Química de 1920, que declara que:

“A entropia de qualquer substância pura no equilíbrio termodinâmico aproxima-se de zero à medida que a temperatura se aproxima de zero absoluto (zero kelvin) ou, inversamente, a temperatura (em kelvin) de qualquer substância pura no equilíbrio termodinâmico se aproxima de zero quando a entropia dessa substância se aproxima de zero.”

Um sistema mais frio tem menor energia e pode se arranjar em menos estados (tem menor entropia). Assim, em um sistema com muita energia, as partículas podem ser organizadas em muitas configurações diferentes (grande número de arranjo do sistema, maior entropia, portanto). De certa forma, há muito desconhecimento já que você não pode ter certeza de qual é a configuração dessas partículas. No zero absoluto, em teoria é possível saber exatamente com o que o sistema se parece.

Hoje essa ideia, juntamente com o princípio da inatingibilidade — a impossibilidade física de resfriar um sistema com um número finito de fases —, introduzido por Nernst em 1912, segundo a New Scientist, sendo que esta é a versão amplamente aceita da moderna Terceira Lei da Termodinâmica. Contudo, ela restava, até a pouco atrás, não provada e os cientistas há muito questionavam a validade dessa lei.

“O objetivo fundamental da física é auferir todas as leis da natureza e descrever todos os fenômenos simplesmente assumindo um pequeno conjunto de princípios (como a mecânica quântica, o Modelo Padrão de física de partículas, etc.)”, disse Masanes ao site Phys.org. “E isto é o que fazemos. E, além disso, essa obtenção revela as fortes conexões entre as limitações do resfriamento, a positividade da capacidade de calor, a reversibilidade da dinâmica microscópica, etc. Pessoalmente, amo que a termodinâmica como um todo (incluindo a Terceira Lei) tenha sido deduzida desde seus fundamentos mais básicos.”

Agora, pela primeira vez, os físicos Lluís Masanes e Jonathan Oppenheim da Universidade College London demonstraram a Terceira Lei da Termodinâmica desde seus princípios mais básicos. Depois de mais de cem anos, o resultado finalmente coloca a Terceira Lei da Termodinâmica no mesmo grau de importância que as outras duas leis, a Primeira Lei e a Segunda Lei da Termodinâmica, as quais já foram demonstradas e aprovadas. Recentemente o artigo dos pesquisadores L. Masanes e J. Oppenheim com a prova de que o zero absoluto não pode ser alcançado (com um número finito de etapas em um sistema no qual a entropia não pode chegar a zero) foi publicado na Nature Communications.

Para provar a Terceira Lei, os pesquisadores usaram ideias da ciência da computação: a teoria da informação quântica. Com isso, um problema comum é determinar a quantidade de recursos necessários para realizar determinada tarefa. Quando aplicadas ao resfriamento, a questão passa a ser: quanto de trabalho deve ser realizado e qual o tamanho do reservatório de resfriamento para congelar um objeto até o zero absoluto (0 kelvin, -273,15°C ou -459,67°F)?

Os físicos mostraram que resfriar um sistema até o zero absoluto requer ao mesmo tempo um montante de trabalho e um reservatório infinito. Esta descoberta está de acordo com a explicação amplamente aceita da inatingibilidade do zero absoluto: à medida que a temperatura se aproxima do zero absoluto, a entropia do sistema (desordem) se aproxima do zero, e não é possível obter um sistema em um estado de zero entropia com um número finito de etapas.

“Mostramos que você não pode realmente esfriar um sistema até zero absoluto com uma quantidade finita de recursos, e nós fomos um passo adiante. Concluímos então que é impossível esfriar um sistema até o zero absoluto em um tempo finito, e estabelecemos uma relação entre o tempo e a temperatura mais baixa possível. Essa é a velocidade do resfriamento”, disse Masanes ao site IFLScience.

Em outras palavras

A solução matemática veio do mundo da computação, mais especificamente da informação quântica. De acordo com informações do site IFLScience, o principal insight dessa pesquisa é que um processo de resfriamento pode ser visto como um cálculo.

Esta teoria da informação está intimamente ligada à Segunda Lei da Termodinâmica, para a qual a informação quântica já foi usada com sucesso para provar uma variedade de interpretações. Mas para a Terceira Lei isso não era, até agora, assim tão evidente.

“Em ciência da computação, as pessoas fazem esta pergunta o tempo todo: quanto tempo leva para realizar uma tarefa?”, Diz Oppenheim à New Scientist. “Assim como uma máquina de computação executa uma tarefa, uma máquina de resfriamento esfria um sistema.” Então, ele e Masanes perguntaram quanto tempo leva para ficar frio.

Resfriar um sistema, uma sala por exemplo, pode ser pensado em uma sequência de passos: o calor é removido do sistema e bombeado para o meio-ambiente ao redor, em ciclos que se repetem de novo, e de novo, e … E a cada ciclo executado, o sistema fica mais frio. Quão frio? Isso depende do número de ciclos, ou seja, a quantidade de trabalho ou de etapas executadas, para que seja retirado o calor e do tamanho do reservatório para que ele seja depositado.

Aplicando técnicas matemáticas oriundas da teoria da informação quântica, a dupla de pesquisadores provou que não há um sistema real que irá alcançar zero kelvin: seria necessário um número infinito de etapas para isso.

Chegar próximo do zero absoluto é possível, contudo. E Masanes e Oppenheim quantificaram o número de etapas (ou ciclos) de retirada de calor. Admitindo uma velocidade limite para um sistema, eles determinaram a equação para quão frio o sistema pode se tornar em dado um tempo infinito para isso. “Pensando nestes termos, a tarefa de resfriamento é um problema de informação e nossa principal visão foi entender a complexidade da tarefa”, acrescentou Masanes, de acordo com o IFL Sciense!.

Fonte: EduBlogs
Imagem: EduBlogs

Ou seja, a reposta negativa para a pergunta “é possível atingir o zero absoluto?” levou os físicos a uma segunda pergunta: se não podemos nos aproximar do zero absoluto, então quão perto podemos chegar (com tempo e recursos finitos)? Acontece que a resposta está mais perto do que se poderia esperar. As equações mostraram que temperaturas mais baixas podem ser obtidas apenas com um modesto incremento nos recursos.

E os pesquisadores ainda mostraram nesse estudo que existem limites aí também. Por exemplo, uma sistema não pode ser resfriado com rapidez exponencial, já que isso resulta em uma capacidade negativa de calor, o que é fisicamente impossível. Isso por que a velocidade de esfriamento de um sistema não é universal (como a velocidade da luz), mas depende da velocidade do som no ambiente e da rapidez com que a energia pode ser injetada nele.

Esse cálculo da Terceira Lei pode ter algumas aplicações tecnológicas, mas os pesquisadores enfatizam que seu valor teórico é atualmente muito mais importante.

Implicações

Os cientistas autores do estudo acreditam que os resultados dessa pesquisa felizmente levarão outros pesquisadores a levar a Terceira Lei da Termodinâmica mais a sério.

Mas há implicações mais pragmáticas do estudo. Uma das mais belas características da nova prova é que ela se aplica não somente a sistemas grandes, clássicos (com os quais a termodinâmica tradicional lida), mas também a sistemas quânticos e a qualquer tipo concebível de processo de resfriamento.

Por essa razão, os resultados inúmeras implicações teóricas. Resfriar a temperaturas muito baixas é o componente chave de muitas tecnologias, como computadores quânticos, simulações quânticas e medições de grande precisão. Entender o que é necessário para chegar próximo do zero absoluto pode ajudar a guiar o desenvolvimento e a otimização dos protocolos futuros de resfriamento para aquelas aplicações.

A computação quântica atingiu um incrível avanço nos últimos anos. Alguns desenvolvedores, como o IBM, já têm suas metas fixas em comercializar tais avanços, que muitos ainda veem como algo de ficção científica do que uma realidade possível. Entender a Terceira Lei e como e o ponto que podemos atingir ao resfriar a matéria pode trazer avanços ainda maiores às pesquisas nessa área, já que o superaquecimento é uma preocupação central nas pesquisas de computação de alto nível.

“Agora que nós temos uma compreensão melhor das limitações do resfriamento, eu gostaria de aperfeiçoar os métodos de resfriamento existentes ou inventar novos”, disse Masanes.

“Nós calculamos um limite de velocidade para o resfriamento, o qual é muito, muito rápido, enquanto estamos atualmente na era dos cavalos e carroças”, disse o professor co-autor do estudo Jonathan Oppenheim. “Atualmente, a tecnologia não está nem perto de chegar desse limite de velocidade. Embora, esse limite dê uma estrutura para máquinas de resfriamento particulares”, concluiu o co-autor ao site IFLScience.

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