Tales de Mileto: o astrólogo que caiu num poço

Felipe Sérvulo

Na época pré socrática, em 634 a.C, na cidade de Mileto, nascia o filósofo grego que é considerado o fundador da ciência, matemática e filosofia ocidentais: Tales de Mileto. Ele visitou o Egito e provavelmente a Babilônia, trazendo o conhecimento da astronomia e geometria daqueles povos, considerados os primeiros astrônomos da história.

À Tales, é atribuída à invenção da matemática dedutiva e de muitos teoremas geométricos.

De acordo com Heródoto, Tales previu um eclipse solar que ocorreu em 28 de maio de 585 durante a Batalha de Hális, confirmando o seu acesso aos registros babilônicos. Tales acreditava que a Terra seria um disco achatado flutuando em um oceano infinito, e estabeleceu a escola Jônica (Milesiana) da astronomia grega. Tales considerava que a água seria o “primeiro princípio” ( “arche”) da natureza. Tales descreveu a posição da Ursa Menor, e pensava que a constelação podia ser útil como um guia para a navegação marítima. Ele calculou a duração do ano e os horários dos equinócios e solstícios. A ele é adicionalmente atribuída a primeira observação das Híades, usando o cálculo da posição das Plêiades. Plutarco indica que em sua época (100 dC), houve um trabalho existente, a Astronomia, composto em versos e atribuído a Tales.

Em suas teorias, Tales “naturalizou” as explicações sobrenaturais, separando a ciência das explicações divinas e místicas, marcando o início da metodologia científica. No entanto, seus ensinamentos enfatizaram especulação filosóficas sobre as aplicações práticas da ciência. Por isso, é apropriada a lenda que fala de sua queda em um poço, enquanto observava os céus. Segundo a lenda, uma camponesa (rapariga de Trácia), ao ver Tales, teria zombado do filósofo, fazendo o seguinte comentário: “eis aqui um homem que estuda as estrelas e não pode ver o que está ao seus pés.”

A partir desta lenda, nasceu vários contos e diálogos filosóficos. Um deles, o diálogo Teeteto, Platão faz Sócrates relatar a Teodoro de Cirene o caso da rapariga da Trácia que zombou de Tales por este ter caído num poço ao observar o céu:

“Foi o caso de Tales, quando observava os astros; porque olhava para o céu, caiu num poço. Contam que uma decidida e espirituosa rapariga da Trácia zombou dele, com dizer-lhe que ele procurava conhecer o que passava no céu, mas não via o que estava junto dos próprios pés.  Essa pilheria se aplica a todos os que vivem para a filosofia.”¹

– Platão, Teeteto 174a

320px Tenniel Astrologer
Ilustração de John Tenniel’s illustration da edição de 1884 das Fábulas de Esopo.

Em outro famoso conto grego, também baseado na anedota do poço, “O astrólogo² que caiu num poço“, foi mais uma de várias piadas antigas que foram absorvidas da Fábulas de Esopo e agora está numerada no número 40 no Índice de Perry. Durante o ataque científico sobre a astrologia nos séculos XVI e XVII, a história novamente se tornou muito popular.

O poeta Neo-Latino Gabriele Faerno também incluiu a história do tropeço do astrólogo em sua coleção Centum Fabulae (1554), mas concluiu com o ponto mais filosófico: “Como você pode entender o mundo sem conhecer a si mesmo em primeiro lugar?”  Tal como acontece com vários outros, foi a partir desta fonte que Jean de la Fontaine incluiu a trama entre os suas Fábulas (II.13). Seu poema é notável, se limitou a história a uma mera alusão de quatro linhas antes de lançar em uma história de 45 linhas sobre a astrologia (com um inclinação para a alquimia também).  Mas a batalha contra a superstição tinha sido ganha pelo tempo que Charles Denis incluiu um mero resumo do poema de La Fontaine em suas Select Fábulas (1754). Sua conclusão é que a especulação sobre o futuro é ocioso; quantas popular, ele pergunta,

Considerando a lenda e alegoria, Tales caiu num poço, foi ridicularizado por observar os astros e esquecer dos conhecimentos da terra mas foi o primeiro filósofo grego a voltar seus olhos para os céus. Sua queda proporcionou à humanidade com a filosofia, a ciência e a astronomia, feito semelhante à Prometeu, que se sacrificou aos deuses por trazer o fogo sagrado do Olimpo (o conhecimento). Não fosse por Tales, quem sabe hoje nós não estaríamos em um poço profundo, o poço da ignorância.

¹A moral retirada do mito de Teeleto remete ao fato de que Tales, que caminhava com os olhos voltados para os astros, tropeçou e caiu num poço e foi ridicularizado por uma jovem criada de Trácia. O mito trata-se de uma reflexão auto irônica dos filósofos sobre se mesmos. O filósofo é uma pessoa perdida em pensamentos abstratos e longe do viver cotidiano (… Tales havia voltado os olhos para o céu …, sublinha Sócrates). Por isso, ele não se dá conta do que está sob os seus pés. Assim foi que o Tales tropeçou e caiu num poço. Ele aparece, portanto, não apenas uma pessoa distraída, mas também ridícula. 

²Naquela época, o termo astrólogo e astrônomo se tratavam praticamente da mesma coisa. A astronomia e a astrologia iriam andar juntas durante séculos, até a morte de Johannes Kepler, onde elas iriam se separar definitivamente. 

Referências Bibliográficas:

  1. Boyer, C. B. A History of Mathematics, 2nd ed. New York: Wiley, 1968.
  2. Herodotus, 1.74.2, and A. D. Godley’s footnote 1; Pliny, 2.9 (12) and Bostock’s footnote 2.
  3. Plutarch, De Pythiae oraculis, 18
  4. O intelectual que nasceu de uma piada: filósofo  BOTTER, B. Ensaios Filosóficos, Volume VI – Outubro/2012
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