A crise no saneamento básico e o avanço emergencial do marco legal com a Covid -19

SoCientífica
(Imagem: Agência Brasil)

Desde o período colonial, pouco se investe no setor de saneamento no Brasil. O progresso se deu no século XIX, com a chegada da família real portuguesa, por já ter conhecimento das doenças oriundas através da contaminação da água.

Por muito tempo perdurou o sistema individualista de saneamento, que se resumiam à drenagem de terrenos e instalação de chafarizes. A primeira grande mudança ocorreu com a implantação no estado de São Paulo, por empresas estrangeiras na sua maior parte de origem inglesa, do primeiro sistema de abastecimento de água encanada do país. Logo em seguida, foi construída a primeira Estação de Tratamento de água (ETA) na cidade do Rio de Janeiro.

No entanto, devido ao serviço de má qualidade prestado por essas companhias estrangeiras, não houve progresso do saneamento, culminando na estatização do serviço no começo do século XX. 

Com a entrada em vigor da Constituição 1988, a competência do serviço de saneamento passou a ser comum entre os entes federativos, vejamos:

 “Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito federal e dos Municípios: 

VI – proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas; 

(…) 

IX – promover programas de construção de moradias e a melhoria das condições habitacionais e de saneamento básico.”

Apesar da competência ser da união, dos estados e dos municípios, o artigo 30 da Constituição, em seu inciso V, elege os municípios como órgão executor dos serviços de saneamento em seus territórios, por se tratar de um serviço de interesse local.

“Art. 30. Compete aos Municípios:

(…)

V – organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local, incluído o de transporte coletivo, que tem caráter essencial;”

Muito embora a competência seja comum, desde essa época, os investimentos realizados pelos entes federados no processo de preservação dos recursos hídricos, como por exemplo na criação de novas estações de tratamento de água, bem como na amplificação do sistema de esgoto, não vêm se desenvolvendo de forma satisfatória.

Passados dois séculos, pode-se dizer que na maioria dos estados e municípios o desenvolvimento do saneamento básico ainda é considerado precário e lento. Tanto é assim, que recentemente a cidade do Rio de Janeiro se deparou com a crise hídrica, devido ao aparecimento da geosmina, uma substância produzida por algas, que deixa água com odor, sabor e cor incomum. A substância geosmina não é tóxica, porém serve como alerta acerca da qualidade da água, pois tem seu crescimento favorecido pelo aumento da concentração de matéria orgânica devido à poluição por dejetos domésticos (esgoto), fertilizantes agrícolas e efluentes industriais, despejados diretamente nos rios. 

Segundo portaria nº 2914/2011 do Ministério da Saúde, a água que está sendo fornecida pela cidade do Rio de Janeiro não atende aos padrões de potabilidade – os quais envolvem parâmetros físicos, químicos, microbiológicos, organolépticos, cianobactérias e de radioatividade.  

A CEDAE, por sua vez em nota, esclareceu que, apesar do odor e sabor, a água fornecida atende aos padrões de potabilidade. 

Segundo a professora Doutora Iene Christie Figueiredo, em entrevista concedida ao site IHU On-Line, “todos os afluentes ao rio Guandu (com destaque àqueles que estão próximos da captação da Estação de Tratamento de Água Guandu) se encontram em estado avançado de degradação da sua qualidade, uma vez que cortam regiões/municípios com crescente adensamento populacional e sem qualquer serviço de esgotamento sanitário prestado de forma efetiva. Ou seja, todo esgoto doméstico gerado nessa região vai para os cursos d’água sem qualquer tipo de tratamento. ” 

Diante de tal contexto, seria leviano imputar toda responsabilidade pela recente crise hídrica sobre a Companhia de Águas e esgotos do Rio de Janeiro, já que o serviço é de competência comum entre os entes federados, aliado ainda ao fato dos municípios não virem implementado os serviços de esgotamento sanitário de forma eficiente, apesar de serem os responsáveis por organizar e prestar diretamente o serviço.

Não obstante a recente crise em torno da geosmina, o colapso do cenário hídrico se deu com a chegada da pandemia do novo Coronavírus. Isso porque para conter a disseminação do vírus, o Ministério da Saúde adverte, além do isolamento social, há constante de se lavar bem as mãos.

Considerando os dados informados pelo Ministério da Saúde de que metade da população brasileira não tem acesso à rede de esgoto e que milhares de pessoas não tem acesso à água potável, o pesquisador Márcio Botto, consultor de Pesquisa e Conhecimento da CAWST, em entrevista ao Blog Verde, cogitou a possibilidade de contaminação feco-oral do novo Coronavírus. Ele afirma que até o presente momento não há relato de transmissão feco-oral do Coronavírus entre pessoas, mas que a sobrevida de vírus semelhantes a este é de “14 dias em esgotos a 4 graus Celsius e de até 2 dias a 20 graus Celsius”.

Com o agravamento provocado pela pandemia, passou a tramitar de forma acelerada a PL 4.162/2019, que atualiza o marco legal do saneamento básico, com o envolvimento de empresas privadas, com intuito de fornecer água potável e saneamento a toda população, principalmente a de baixa renda, promovendo o controle da propagação do vírus e alavancando a economia com os investimentos e a retomada de empregos.

Por fim, cabe ressaltar, que o saneamento básico é um direito previsto na Constituição Federal e na lei nº. 11.445/2007 e que o não atendimento a esse direito afeta não só na saúde pública, como também o meio ambiente.

Conforme consta previsto no artigo 225 da Constituição Federal: “Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”. 

Deste modo, se antes já existia a convicção sobre a necessidade de implementação de um novo marco regulatório do saneamento para que os brasileiros pudessem ter seu direito constitucional atendido e com isso, pudessem finalmente ter acesso a água potável e ao esgotamento sanitário, agora diante desta pandemia, sem dúvida, se torna uma questão de sobrevivência a aprovação do projeto, não só no aspecto sanitário, mas também no aspecto econômico e ambiental.

Mariana Ramirez Fortuna, Advogada do MLA – Miranda Lima Advogados, especializada na área Cível Estratégica e Cível Consumidor. Formada na Faculdade Candido mendes e pós graduação na PUC- de processo civil.

Gabriela Castelo Branco, Advogada do MLA – Miranda Lima Advogados, especializada na área Cível, formada pela faculdade Cândido Mendes.

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