Psicologia explica por que gêmeos idênticos causam tanto fascínio e medo

Daniela Marinho
As irmãs Grady, de O Iluminado de Stanley Kubrick , interpretadas por Lisa e Louise Burns. Imagem: TCD/ prod.db/alamy banco de imagens

Considerado um clássico cinematográfico, O Iluminado (1980) de Stanley Kubrick deu vida às irmãs Grady, interpretadas por Lisa e Louise Burns que se tornaram as gêmeas mais icônicas da cultura pop e do gênero terror psicológico/mistério. No entanto, no livro de Stephen King de 1977, as irmãs são apenas meninas “fofas como um botão” de oito e dez anos.

Nesse contexto, Kubrick entrevistou diversos jovens para interpretar as irmãs, mas quando as gêmeas idênticas Lisa e Louise apareceram, logo ganharam o papel. O diretor renomado achou que havia algo mais assustador em gêmeos do que em “irmãos normais”, como disseram as irmãs Burns numa entrevista ao Daily Mail.

Propositalmente ou não, ao escolher as gêmeas, Kubrick estava brincando com um dos maiores estereótipos de todos os tempos que, inclusive, continua sendo um elemento básico do gênero terror até a atualidade. A questão, portanto, seria questionar o que há nos gêmeos idênticos que causa tanto fascínio e medo. Contudo, a pergunta mais adequada é o que acontece com o restante das pessoas que torna isso o caso? A Psicologia respondeu.

Gêmeos idênticos e o fascínio

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Gêmeos idênticos. Imagem: Canva

De acordo com uma recente pesquisa publicada na revista Human Reproduction, cada 1000 partos, entre nove e 12 produzem gêmeos, sendo quatro deles gêmeos idênticos ou monozigóticos. Gêmeos idênticos ocorrem quando um único espermatozóide fertiliza um único óvulo e depois se divide em dois, resultando em dois zigotos com o mesmo DNA.

Há uma enorme variedade de fatores que nos tornam quem somos, mas os gêmeos idênticos possuem a característica de compartilhar a mesma matéria-prima. Desse modo, as pessoas os acham interessantes e até assustadores – o que diz mais sobre a psicologia humana no geral do que sobre os próprios gêmeos.

Xavier Aldana Reyes, estudioso da literatura gótica da Manchester Metropolitan University, escreveu sobre gêmeos no The Conversation. Ele afirma que parte do que torna os gêmeos fictícios assustadores e fascinantes é a sua repetição. Há uma relação direta com a definição de “estranho” da Psicologia, na qual algo familiar se torna não familiar, portanto, também perturbador.

Freud e a repetição

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Gêmeos. Imagem: Canva

No ensaio de 1919O Estranho – Freud tratou sobre o termo afirmando que a estranheza pode resultar da “repetição da mesma coisa”, algo que as gêmeas Grady, com suas roupas iguais, brincam bastante. Reyes ainda afirma que “É assustador quando algo que deveria ser o único, o individual, encontra uma correspondência com o outro”.

Dessa forma, já no início do século 20, Freud revolucionou a compreensão da mente inconsciente e, com ela, “a preocupação de que as pessoas nem sempre estavam no controle total de si mesmas, de suas ações e pensamentos”, diz Reyes. Esse medo se anunciou no tropo gótico do século 19 do doppelgänger, isto é, o duplo de uma pessoa, às vezes mau ou fantasmagórico, levando uma vida paralela e vagando pelas ruas.

Reyes diz que na literatura gótica, o duplo é “a personificação de tudo que a pessoa normativa, socializada, não é, né? Se devemos ser civilizados, se devemos ser bons, se devemos ser conscientes, então o duplo é o lado egoísta, violento e não reprimido.” Fiódor Dostoiévski soube trabalhar bem essa noção com seu personagem clássico Yakov Petrovich Golyadkin em O Duplo (1846).

Gêmeos idênticos nos filmes

Os gêmeos idênticos são frequentemente usados ​​de maneira semelhante aos duplos da literatura gótica no cinema. Do mesmo modo que os duplos, os gêmeos podem representar “a noção dividida do eu”.

A estudiosa de literatura Karen Dillon, do Blackburn College, em Illinois, afirma que os gêmeos são frequentemente ligados à ideia de que são “duas pessoas que podem ser o mundo inteiro uma para a outra. Você sabe, os gêmeos na cultura pop geralmente se comunicam psiquicamente ou têm seu próprio tipo de linguagem gêmea ou não precisam se comunicar. Eles parecem tão insulares que ninguém consegue penetrar nesse relacionamento.”

Embora o fascínio esteja presente, Dillon assinala um ponto essencial para que as pessoas tratem os gêmeos como indivíduos: “Gêmeos são duas pessoas, dois indivíduos que por acaso compartilharam um útero”.

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