Tentativas de suicídio juvenil caem após a legalização do casamento gay, relata estudo

SoCientífica
Nos estados onde a legalização do casamento do mesmo sexo foi aprovada, as tentativas de suicídio diminuíram em quatro pontos percentuais em média, o que corresponde a uma queda de 14% em relação aos estados onde não houve aprovação. Fotografia: Ted Eytan/ Flickr/ CC BY-SA 2.0)

A legalização do casamento entre pessoas do mesmo sexo nos Estados Unidos tem sido associada a uma queda das tentativas de suicídio entre adolescentes. Os pesquisadores dizem que as tentativas de suicídio entre estudantes do ensino médio caíram em média 7% após a implementação da legislação.

O impacto foi especialmente significativo entre os adolescentes gays, lésbicas e bissexuais, para os quais a aprovação da legalização reconhecendo o casamento homossexual está vinculada a uma queda de 14% nas tentativas de suicídio.

Julia Raifman (@JuliaRaifman), coautora da pesquisa da Universidade Johns Hopkins, disse que esperava que a pesquisa ajudasse a ampliar a escala da questão entre as minorias sexuais. “Espero que os formuladores de políticas e o público em geral considerem as possíveis implicações para a saúde das leis e políticas que afetam os direitos LGBT”, acrescentou. Raifman trabalha no Bloomberg School of Public Health da Universidade Jonhs Hopkins.

De acordo com os Centros para o Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos (CDC), o suicídio é a segunda principal causa de morte para pessoas com idade entre 15 e 24 anos, com taxas de suicídio muito maiores entre aqueles que se identificam como minorias sexuais do que estudantes heterossexuais.

“Este estudo foi realmente fundamentado pela evidência de que existem grandes disparidades em todos os domínios da saúde que afetam os adolescentes LGBT”, disse Raifman. “Eu estava interessada em saber se questões estruturais maiores que potencialmente estavam levando a essas disparidades”.

Na tentativa de desfazer a possibilidade, Raifman e colegas se concentraram no impacto da legislação da união homoafetiva. Em 2004, Massachusetts tornou-se o primeiro estado dos Estados Unidos a legalizar o casamento entre pessoas do mesmo sexo. Outros 36 estados seguiram o exemplo, antes mesmo que a política se tornasse lei federal em junho de 2015.

Publicado no periódico Jama Pediatrics por pesquisadores da Universidade Johns Hopkins, Harvard University e Boston Children’s Hospital, o estudo avaliou dados coletados pelo CDC como parte de seu Sistema de Vigilância do Comportamento de Risco Juvenil — uma pesquisa realizada a cada dois anos em todo os Estados Unidos.

A equipe analisou números de mais de 760 mil alunos coletados entre 1999 a 2015, o ano em que a Suprema Corte legalizou o casamento entre pessoas do mesmo sexo em todo o país, com dados dos estados que aprovaram leis regularizando o matrimônio do mesmo sexo examinados antes e depois da aprovação. Uma abordagem, dizem os pesquisadores, que levou em conta uma série de diferenças existentes entre os estados do país.

Daqueles mais de 762.678 estudantes, cerca de 231.413 mil alunos relataram ser gay, lésbicas ou bissexuais, segundo os números publicados por reportagem da Forbes. Aos alunos, contudo, não foi perguntado especificamente se se identificavam como transexuais, intersex ou Queer.

No total, os dados abrangiam 32 dos 35 estados que aprovaram legislação legalizando o casamento entre pessoas do mesmo sexo até 1º de janeiro de 2015. A mudança na taxa de tentativas de suicídio foi comparada com a observada nos quinze outros estados que não aprovaram tal legislação antes da lei federal.

A análise revelou que nos anos anteriores à união estável entre cidadãos do mesmo sexo tornar-se legal a taxa autorrelatada de uma ou mais tentativas de suicídio entre estudantes do ensino médio em todos os estados foi, em média, em torno de 8,6% ao ano, com a cifra atingindo 28,5% entre aqueles que se identificaram como gays, lésbicas, bissexuais ou “não tem certeza”.

No geral, os estados que legalizaram o casamento homoafetivo viram taxas de tentativas de suicídio cair 0,6 pontos percentuais em relação aos estados que não aprovaram a legislação, o que corresponde a uma queda média de 7%. Verificou-se que o efeito durou pelo menos dois anos após a aprovação da lei. Nenhuma queda nas tentativas de suicídio foi encontrada em estados que não promulgaram tais leis.

A redução dos índices, deste modo, foi em grande parte resultado de menos tentativas de suicídio por adolescentes LGBTs. Nos estados onde a legalização do casamento igualitário entre homo e heterossexuais foi aprovada, as tentativas de suicídio diminuíram em quatro pontos percentuais em média, o que corresponde a uma queda de 14% em relação aos estados onde não foi aprovada tal legislação.

“Quando nos concentramos em adolescentes LGBTs, parece que o efeito está concentrado nessa população”, disse Raifman ao Jornal The Guardian.

No entanto, Raifman adverte que a análise teve suas limitações, nomeadamente: (i) metade dos estados coletaram dados sobre a orientação sexual antes e depois de aprovar a legislação e (ii) a introdução da legislação sobre o casamento do mesmo sexo pode ter tido um impacto sobre como os indivíduos responderam perguntas sobre sua orientação sexual.

Embora os resultados não comprovarem que há uma conexão, os pesquisadores autores do estudo disseram que os formuladores de políticas públicas devem estar cientes dos benefícios potenciais das medidas para a saúde mental dos jovens. Essa pesquisa também poderá ajudar a criar mais tolerância e menos bullying, fazendo com que os adolescentes se sintam menos estigmatizados. Esses efeitos podem também beneficiar adolescentes heterossexuais, mas são necessárias mais pesquisas para determinar como as leis podem influenciar o comportamento adolescente, disse Raifman ao New York Post.

Os autores do estudo observam ainda que, embora outras análises confirmem que foram as consequências sobre as legislações dos estados aprovando o casamento homoafetivo que afetaram a taxa de tentativas de suicídio dos estudantes do ensino médio, os fatores por trás desse efeito ainda não são claros.

Danuta Wasserman, professora de psiquiatria e estudiosa sobre suicídio no Karolinska Institutet, uma universidade de medicina em Estocolmo, Suécia, disse, também ao The Guardian, que os resultados da pesquisa coincidem com estudos da Europa que revelaram que as tentativas de suicídio são mais comuns entre os adolescentes que têm preocupações com sua orientação sexual. A redução das tentativas de suicídio demonstradas pelo novo estudo, diz ela, “são muito promissoras”.

Ellen Kahn, diretora do Programa de Crianças, Jovens e Famílias na Campanha de Direitos Humanos, disse, ainda de acordo com citado diário de notícias britânico, que a conexão entre saúde mental nos jovens e o ambiente social e político faz sentido. “Quando os jovens LGBTQ não se sentem seguros, protegidos ou valorizados em sua própria comunidade, quando eles não sentem que podem ser totalmente autênticos — isso agrega um fardo emocional a ser suportado”, disse ela.

A taxa de suicídio entre os adolescentes que se identificam como minorias sexuais, ela acrescentou, sinaliza uma emergência de saúde pública. “Os jovens LGBTQ são incrivelmente vulneráveis à rejeição dos pais, ao bullying e ao assédio na escola e a falta de apoio social”, disse Kahn. “O que podemos aprender com este estudo e o que já sabemos ao ouvir diretamente da juventude LGBTQ é que a convergência de uma família solidária, uma escola segura e acolhedora, proteções legais e ser igual aos olhos da lei podem proporcionar o fundamento necessário para prosperar e fazer prosperar o jovem até a idade adulta”.

“O novo trabalho traz uma importante contribuição para identificar como as leis que limitam os direitos dos homossexuais podem afetar a saúde física e psicológica”, disse o pesquisador de saúde pública da Universidade de Columbia, Mark Hatzenbuehler.

“Mas é necessária mais pesquisa para determinar quais adolescentes são mais vulneráveis a políticas que limitam os direitos dos homossexuais”, ele escreveu em um editorial que acompanha o estudo. O estudo foi publicado no JAMA Pediatrics.

Compartilhar